Vende-se ou vendem-se casas?

Vende-se ou vendem-se casas?

O uso mais prestigiado*, a respeito da escrita formal, é “vendem-se casas”. Nesse sentido, “casas” constitui o sujeito (pós-posto) do verbo “vender”.

*Embora eu seja linguista, não trago, neste post, considerações linguísticas sobre esse uso, especialmente porque, linguisticamente falando, “o nativo de uma língua não comete erro”. Nesse sentido, não haveria razão para a melhora de textos, pois a fala contém, também, regras e, logo, “tudo seria aceito”, inclusive na escrita; formal ou não. Se as pessoas não compreendem o básico de normas, quem dirá compreenderão questões linguísticas, científicas. Ainda mais na contemporaneidade, em que tudo é efêmero e fluido.

As explicações linguísticas*, que aceitam construções como “vende-se casas” ou as justificam em nível de fala, tendem à banalização da linguagem escrita formal. E essa diferenciação é bastante necessária, especialmente em um país onde a maioria da população (semianalfabeta) gosta de um mal feito e utiliza esse tipo de discurso para encobrir a sua falta de atenção ou cuidado (malandragem linguísitca), e desprezo pela educação (é um discurso que é contrário a si mesmo).

*Fala é diferente de escrita formal. Há gêneros que aceitam linguagem mais informal; outros não. A formalidade fundamenta-se em TRADIÇÃO, no uso das criticadas gramáticas normativas (e eu concordo que estas não são suficientes para dar conta do estudo da língua, e que muitas normas são infundadas ou constituem interpretações equivocadas de gramáticos, que não pensam a língua (natural ao ser humano, ao uso) com os pilares científicos da linguística. Mas é preciso tomar cuidado com esse discurso contemporâneo que tenta, a todo o custo, aniquilar a tradição).

Não quero dizer que a língua será destruída pelo uso contemporâneo, e que deve, portanto, ser perpetuada, inflexivelmente, nas normas da gramática normativa, mas que a formalidade e a tradição são convenções que devem prevalecer em textos formais (e às vezes podem até ser contrárias à ciência, mas resistem à liquidez que destroi tudo o que é sólido). Se insistirmos nesse discurso, sem contextualizá-lo, trabalhamos contrariamente à própria ciência.

É importante diferenciar o uso de “se” como partícula apassivadora ou como índice de indeterminação do sujeito. E, sim, é preciso estudar gramática normativa para compreender essa questão, quando tratamos de linguagem formal. Quando digo isso, não deslegitimo a linguística como ciência, muito pelo contrário. Ela é válida, e, de fato, o nativo de uma língua não comete erro. Mas os pilares da tradição na sociedade sustentam-se em convenções. Acho possível questioná-los, desconstruí-los. Mas, no caso do Brasil, isto deve ser feito com cuidado, pois nem base a ser desconstruída há.

No caso de índice de indeterminação de sujeito, só seria possível o seu uso com verbo intransitivo ou com verbo transitivo indireto, por exemplo:

Precisa-se de professores (o “se”, nesse caso, constitui índice de indeterminação de sujeito).

Nos outros casos, seria o caso de partícula apassivadora, como:

Vendem-se casas. (O equivalente a: “casas são vendidas.”)

Não faria sentido dizer que alguém vende alguma casa, nesse caso, pois o foco não está na pessoa que detém a posse da casa (imagine um anúncio, na porta de uma casa a ser vendida, com os seguintes dizeres):

Joana vende a casa dela. (Quem é Joana na fila do pão?)

João vende a casa dele. (Quem é João?)

Anderson vende esta casa. (Quem é Anderson?)

Não faria sentido dizer ou escrever, informal ou formalmente, também, que a casa é vendida por alguém:

Antônio vende a casa (de Joana).

Joana vende a casa (de Antônio).

Logo, utiliza-se a forma passiva (o próprio nome diz) para omitir quem, de fato, vende, ou melhor, para enfatizar a venda e a casa, e não quem a vende em si. A partícula apassivadora e índice de indeterminação do sujeito têm função de indeterminar o agente. Se a intenção fosse outra, este seria marcado na sua formal natural (e a oração poderia ser construída de outra maneira).

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