Processos interacionais e discursivos

Compartilho neste post a minha dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade de Brasília (UnB).

Título: Viajar e Punir: processos interacionais e discursivos para (des)construção de cidadania(s) na Companhia do Metropolitano do Distrito Federal

Ano de defesa: 2015

Resumo:

Esta dissertação propõe-se a investigar o(s) discurso(s) de cidadania(s) veiculado(s) pelo Metrô-DF em seus espaços coletivos e a compreensão desse(s) discurso(s) pelos usuários, a partir de processos interacionais. Retoma, nessa perspectiva, mas não se limita ao binômio vigiar e punir, proposto por Foucault (2004), em relação à normatização do discurso de cidadania por meio de sua materialização no Decreto 26.516 (DISTRITO FEDERAL, 2005), que rege os direitos e deveres dos usuários, bem como trata da distribuição desse discurso por meio de mensagens verbais e não verbais. Assenta-se na sociolinguística interacional (GOFFMAN, 1967) e (GUMPERZ, 1982), mas é interdisciplinar à semiótica social (KRESS; VAN LEEUWEN, 1996) e à análise de discurso crítica (FAIRCLOUGH, 2001; HALLIDAY, 2004). Além disso, este estudo tem orientações etnográficas e fundamenta-se, além das reflexões do pesquisador, na reflexão dos próprios colaboradores sobre os dados gerados, ou seja, constitui pesquisa êmica/ética. Como instrumentos de pesquisa, utilizaram-se observação participante, grupo focal e entrevista individual. As análises dos dados gerados fundamentaram-se na análise documental, na análise de clusters, nos critérios analíticos propostos por Fairclough, e nas funções da linguagem de Halliday ¾ a fim de acessar, linguisticamente, os sentidos discursivos sobre cidadania dos usuários e da instituição nas interações. As análises revelaram que o discurso de cidadania veiculado pelo Metrô-DF sustenta-se no discurso contemporâneo sobre higiene e segurança. Esse discurso articula-se a uma perspectiva educacional para com os usuários, que apresentaram conceitos antagônicos em relação à maioria dos informes. Esse contraste revelou práticas sociais, que, muitas vezes, estão associadas a mal entendidos, nas interações, nessa instituição. Além disso, foi possível compreender que, em relação à transposição do Decreto 26.516 para os informes visuais (outros gêneros textuais), o que parece se articular a uma tentativa de atingir as massas, houve processo de ressemiotização, o que modificou a função comunicativa nas interações, que passaram a ser direcionadas aos usuários por meio de linguagem menos impositiva. No entanto, o estudo proposto por meio desta dissertação revelou que esse processo configura-se, a respeito do sentido do discurso educacional de cidadania veiculado pela instituição, ineficaz em relação ao seu público-alvo. Esta dissertação é, portanto, uma contribuição linguística para futuras pesquisas sobre cidadania na Capital Federal.

Link para download:

Xavier Anderson

Para citar: Xavier, Anderson Hander Brito. Viajar e punir: processos interacionais e discursivos para (des)construção de cidadania(s) na Companhia do Metropolitano do Distrito Federal. Dissertação. Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas. Universidade de Brasília, Brasília, 2015.

Share on Facebook

Letra maiúscula: perspectiva multimodal

Letra maiúscula: perspectiva multimodal


Hoje, em razão de suas incoerências, talvez a ABNT não seja a grande referência para formatação de trabalhos acadêmicos. Algumas instituições têm elaborado o seu próprio manual e seguido padrões, inclusive, diferenciados em relação ao que encontramos nas tão famosas NBRs. Poucos sabem, mas também há outros manuais, utilizados em áreas específicas, como o caso do Vancouver, muito utilizado pelo pessoal da área de saúde. Também já padronizei trabalhos nos formatos APA, Chicago e conforme centenas de manuais próprios de instituições brasileiras públicas e privadas.

 Alguns manuais não versam sobre questões cruciais para a qualidade de um texto, como é o caso de atenção às iniciais maiúsculas e minúsculas. Para variar, há muita confusão no mercado sobre o que é revisão de texto, diagramação e formatação. Além disso, o paradigma que vigora, em relação aos serviços de revisão de texto, está atrelado, ainda, a um olhar apenas verbal sobre o texto.

Vocês devem estar se perguntando: e o que isso significa?

Texto algum constitui sentidos apenas com base no que se diz/escreve (aspecto verbal) Ou seja, não são apenas as palavras, propriamente escritas ou ditas, que geram sentidos. Há uma vasta gama de aspectos que articulam-se a sentidos em um texto ou conversação. Alguns desses aspectos são compreendidos, especialmente no caso de trabalhos acadêmicos, de maneira descontextualizadas, apenas, como aspectos de formatação (espaçamentos, recuo em citações, destaques etc.). O uso desses aspectos/recursos tem sido, no entanto, questionado e, inclusive, “quebrado”.

Por exemplo, alguns manuais sugerem 1,25 cm (ABNT) para recuo da primeira linha de um parágrafo, outros manuais, no entanto, sugerem 1,5 cm ou até mesmo 2 cm.

Se pensarmos nos aspectos verbais, propriamente ditos, o uso de Presidenta, na língua, é um grande exemplo dessa “quebra”, além do uso de primeira pessoa do singular (EU) no caso de textos científicos.

Além disso, há muitas divergências deixadas por manuais de formatação, em relação à uniformização, bem como pela própria gramática, em relação à linguagem formal. O que podemos perceber, na verdade, é que há vários manuais que sugerem seus próprios padrões/regras.

Não vejo problema no fato de haver vários manuais. A grande questão é se, de fato, o padrão que eles seguem é coerente e uniforme. Para isso, é necessário um olhar além do verbal ou além da padronização. É necessário um olhar multimodal ao texto.

Eu, como um estudioso dos aspectos semióticos de páginas diversas, impressas ou virtuais, acredito que a organização visual da página articula-se, também, aos sentidos verbais veiculados pelos textos, assim como à estrutura dos gêneros textuais. Assim, um texto baseado em uma proposta de significação multimodal atenderá à complexidade da organicidade de composição da página, e não apenas a aspectos verbais.

Dizer que um texto é multimodal é compreender que ele gera sentido não apenas em relação àquilo que está expressamente dito/escrito, de maneira verbal, por meio de letras que se organizam por meio de palavras, e que se organizam por meio de textos. Há outras dimensões além do texto, mas que não se distanciam dele. Essas “outras dimensões”, visuais, discursivas ou que se articulam em relação, pro exemplo, ao próprio gênero textual, revelam o aspecto multimodal que textos têm.

Embora, nas últimas décadas, o texto tenha transitado de uma perspectiva monomodal (compreensão do texto apenas como aspecto verbal) para uma outra multimodal, isso não significa que antes eles fossem apenas monomodais. O que alterou-se, na verdade, foi o olhar da sociedade sobre os textos. Um texto, inclusive sem imagem alguma, não é monomodal. Isso significa dizer que o seu sentido não se articula apenas aos elementos verbais, gramaticais, mas a uma lógica organizacional que envolve desde a estrutura do gênero textual em si, bem como a disposição da página em que o texto apresenta-se. As próprias marcações de parágrafos, bem como os títulos de um texto já o inserem em proposta multimodal. Isso significa que cada um desses destaques tem a sua função de ser e geram sentido. Os parágrafos, por exemplo, permitem organizar melhor os argumentos que são desenvolvidos ao longo do texto.

Há muitos mal entendidos sobre essas questões hoje. Outro dia, por exemplo, ouvi uma leiga no assunto, que se intitulou diagramadora, afirmar que os títulos das publicações de um órgão público, o qual prestei serviço, não deveriam ser destacadas em caixa alta, pois esse destaque deixa o texto pesado. Essa pessoa deve ter ouvido que, na internet, o destaque de caixa alta tem sido utilizado pelos internautas como substituto do recurso do grito, nas interações face a face. Por uma razão infundada, e em virtude daquelas conversas sobre poluição visual, ela deve ter constatado que a caixa alta deveria ser, definitivamente, abolida de qualquer texto.

Títulos devem ser destacados de outros elementos textuais. Eles não fazem parte dos parágrafos dos textos e têm, exatamente, a sua existência marcada em oposição ao que eles não são. Essa mesma diagramadora sugeriu que os destaques dos títulos em caixa alta fossem substituídos por negrito. Qual é a justificativa para a caixa alta ser mais pesada do que o negrito? O que é ser mais “pesado”? O negrito não evidencia uma saturação da cor negra nas linhas dos vocábulos, que são mais marcadas do que, por exemplo, em relação à caixa alta? Essa saturação de cor não é pesada, também? Essa discussão sobre o que é ou mais pesado tem fundamento?

Além disso, eles devem ser observados em relação a out marcações do próprio texto. Deve-se diferenciar cada uma das marcações para que haja maior organicidade visual no texto. Por exemplo, se você utiliza o destaque em caixa alta para títulos em um texto, utilize outro destaque para fazer outra marcação. Não faria muito sentido , por exemplo, “padronizar” todos os destaques de um texto em caixa alta [risos], isso seria banalizar o destaque. E poderia confundir o leitor. Na verdade, a utilização de várias marcações de destaque articulam-se à complexidade do pensamento do autor, bem como do público-alvo (interlocutor).

Se pensarmos que essa discussão sobre poluição visual surgiu no jornalismo, sobre a intenção de que uma linguagem mais simples e um texto menos carregado é mais eficaz para atingir as massas, talvez o uso de recursos semióticos em um texto para significar seja um problema, uma vez que as massas não passaram por um processo de letramento visual, e, às vezes, não compreendem, nem o texto ao “pé da letra”, os aspectos verbais, propriamente ditos. Mas isso não significa uma “tendência” contemporânea que põe fim aos aspectos multimodais de um texto, que estão visualmente poluídos. Independentes de serem formais ou informais, textos são e sempre foram multimodais. E nós também não devemos deixar de usar dos aspectos multimodais, pensando na problemática da educação brasileira. É preciso rever se o arranjo visual no texto atinge, de fato, o público-alvo e se são dispostos de maneira coerente e articulada ao texto. Com certeza, um público menos letrado terá mais dificuldade para compreender textos mais elaborados, mas isso é um problema do sistema educacional brasileiro…

As iniciais maiúsculas também cumprem esse papel multimodal e devem ser (re)pensadas.


 

Reconheço que iniciais maiúsculas devem ser empregadas nos seguintes casos:

1. No início de período ou de citação. Compreendo que, nesse sentido, todo período/oração deve ser iniciado com letra maiúscula e finalizado com ponto final. Se a oração estiver disposta em uma sequência, é coerente que a pontuação utilizada seja ponto e vírgula.

Não vou ao cinema hoje, pois não estou me sentindo bem.

  1. a) direitos civis:

Direitos civis são os direitos fundamentais à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei. Eles se desdobram na garantia de ir e vir, de escolher o trabalho, de manifestar o pensamento, de organizar-se, de ter respeitada a inviolabilidade do lar e da correspondência, de não ser preso a não ser pela autoridade competente e de acordo com as leis, de não ser condenado sem processo legal regular. São direitos cuja garantia se baseia na existência de uma justiça independente, eficiente, barata e acessível a todos. São eles que garantem as relações civilizadas entre as pessoas e a própria existência da sociedade civil surgida com o desenvolvimento do capitalismo. Sua pedra de toque é a liberdade individual.

É possível, no entanto, por uma questão estilística do texto acadêmico, dar continuidade a uma oração, utilizando-se fragmentos de uma citação. Nesse caso, a inicial da citação permanece em letra minúscula.

Cidadania, segundo Marshall (1967, p. 76), uma das maiores referências hoje sobre o termo, “é um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade” (p. 76) e está relacionada à garantia de direitos civis, políticos e sociais.


2. Títulos de livros, dissertações, artigos. Títulos revelam a ideia central de um texto. Então, ele deve ser destacado. Eles são a “chamada” do texto. Por essa razão, títulos de jornais são, por exemplo, tão destacados, títulos de anúncios publicitários. Destacar um título é reconhecer essa característica que o difere de outras partes do texto, bem como reconhecer a sua configuração de sentido no texto.

BR 6024: (ABNT, 2012a, p. 3: “os títulos das seções DEVEM ser DESTACADOS tipograficamente, de forma hierárquica, da primária à quinária. Podem ser utilizados os recursos gráficos de maiúsculas, negrito itálico ou sublinhado e outros”).

Obs: não acredito que a ABNT seja “o exemplo” de formatação de trabalhos ou de norma. Já encontrei diversas incoerências em relação às normas, bem como ao uso destas no próprio corpo dos ditos manuais “NBRs”. Exemplo disso refere-se ao fato de universidades terem o seu próprio manual.

Em trabalhos acadêmicos, sugiro que os títulos sejam mantidos em caixa alta e os subtítulos sejam mantidos em caixa baixa, iniciando-se apenas a primeira inicial em maiúscula. Lista de figuras e tabelas, sugiro que apenas a primeira inicial seja mantida em caixa alta e que, nesse caso, o termo figura e o título da figura não sejam separados por dois pontos, mas por meia risca, já que, após dois pontos, utiliza-se letra minúscula, salvo algumas exceções.


3. Em trabalhos acadêmicos, além dos casos de nomes próprios, títulos… conheço apenas uma exceção em relação ao uso de letra maiúscula após dois pontos: é o caso de palavras-chave, que devem ser separadas por meio de ponto final e grafadas em maiúscula. Embora a ABNT não verse verbalmente sobre o uso de maiúscula nesse caso, visualmente, o uso é em maiúscula, o que considero uma convenção. O mesmo caso ocorre em relação aos destaques dos títulos de trabalhos acadêmicos. A ABNT não versa expressamente se os títulos devem ser destacados em caixa alta. A norma afirma, apenas, que deve-se utiliza um destaque. No entanto, os exemplos visuais que eles apresentam contemplam o uso de caixa alta. Por essa razão, sigo esse mesmo padrão.

Há casos de subtítulos de trabalho em que é comum a marcação de todas as iniciais maiúsculas. Eu considero isso um exagero. É melhor utilizar, nesse caso, outro destaque, como negrito, sublinhado etc.


3. Datas oficiais, nomes de festas religiosas, períodos históricos, empreendimentos públicos, nomes de avenida, bairros e outros devem ser grafados com inicial maiúscula


4. Nomes próprios, nomes de cidade, nomes dos pontos cardeais e colaterais, quando referem-se às grandes regiões do Brasil e do mundo, devem ser grafados com inicial maiúscula.


5. Leis, decretos, artigos, portarias devem ser grafados com inicial maiúscula, quando especificados.


6. Alguns casos de inicial maiúscula são justificados em virtude de ênfase. Por exemplo, nomes de profissão, em geral, são grafados em letra minúscula, mas, quando redijo um texto em que figura o nome de minha área de atuação, faço questão de destacá-lo com inicial maiúscula. Também sigo esse mesmo padrão no caso de minhas áreas de interesse de pesquisa.


7. Nomes de feiras, exposições, palestras, congresso e outros eventos são grafados com inicial maiúscula.


8. Quanto ao uso de enumeração com letras, sugiro que estas estejam dispostas em letra minúscula (o destaque em maiúsculo para esses casos é desnecessário e não faz muito sentido).

Os critérios consistem em:

a)- estabelecer padrões que permitam uso sustentável dos recursos ambientais;

Anexo a)


9. Em documentos oficiais emprega-se inicial maiúscula para os altos cargos, bem como em relação aos pronomes de tratamento.

Presidente da República

Vossa Senhoria


10. Depois de dois pontos, utiliza-se, salvo exceção, inicial minúscula, especialmente no caso de enumeração. E sigo, nesse caso, o padrão de dois pontos ao final de cada uma das orações ou frases que estão dispostas na sequência.


11. Estado personificado, nação e país também são grafados em letra maiúscula.

Em trabalhos acadêmicos, apresentação de figura e fonte, sugiro que sejam anunciados os títulos com meia-risca e inicial maiúscula:

Figura 1 – Direitos e deveres dos usuários

Gráfico 1 – Distribuição de frequência de diagnóstico de RVS por ELISA e PAGE

Nesse caso, não sugiro o uso de ponto final, pois estamos tratando de títulos.

No caso de fonte, sugiro o mesmo padrão, mas o uso de ponto ao final (pelo mesmo motivo que inserimos ponto ao final das referências:

Fonte – ALFIERI et al., 1991, p. 202.

Há casos em que não há uma regra para nortear a uniformização do texto. A ABNT e outras manuais às vezes não versam sobre algumas questões. Isso significa que essa relação semiótica do texto é às vezes arbitrária, ou seja, elas não são motivadas e, por isso, às vezes, há mais de uma opção lógica que justifique o uso. Porém, o que deve ser observado é a sistematização desse uso. Se você opta por seguir um “padrão”, isso significa, necessariamente, que ele deve ser seguido [risos], mas o seu uso, antes de tudo, deve ser muito bem justificado. Pense o seguinte: por que optei por essa escolha e não outra?

Share on Facebook