Coisas que esqueci no texto
por Anderson Hander
Revisar um texto é, às vezes, apagar uma memória.
Hoje, deletei uma frase que me lembrava algo — mas não sei o quê. Era curta, meio torta, e ficava entre dois parágrafos maiores, como uma criança que se perde dos pais no meio da rua. Apaguei. Sem pensar muito. Mas a ausência dela ficou ali, como uma sombra.
Tenho medo de esquecer. E de lembrar também. Porque lembrar demais me paralisa, e esquecer demais me dissolve.
Agora escrevo porque acho que isso vai fixar algo em mim. Um pensamento, uma voz, um susto. Mas, à medida que escrevo, tudo ganha forma demais, nome demais, e o excesso de palavras começa a me calar. Como se eu precisasse de silêncio para existir, mas buscasse o barulho para provar que estou vivo.
Às vezes tenho a sensação de que, se eu parar de revisar, desapareço. Se não voltar ao texto, se não mexer mais uma vez, ele não é meu. E eu também não sou.
A tranquilidade me retira do social. Não sei viver em paz. Quando tudo está bem demais, eu esqueço como se conversa. Fico de canto, pensando se estou dizendo a coisa certa. Se estão me vendo. Ou se já fui, só esqueceram de avisar.
Talvez seja por isso que eu revise tanto: porque, no fundo, quero voltar. Mas voltar exige lembrar. E lembrar me leva direto à insegurança — à sensação de que errei, de que disse mais do que devia, de que deixei alguém esperando, de que não estive por inteiro.
O texto, às vezes, é o único lugar onde posso hesitar em voz alta.
E nessa hesitação, vou me apagando aos poucos. Como alguém com Alzheimer que tenta segurar uma imagem antiga, mas só vem o contorno. A cor da cortina, talvez. O cheiro da rua depois da chuva. Uma palavra solta, sem contexto.
Revisar é isso também: decidir o que merece ficar. O que precisa sumir. E o que já não é possível alcançar.
Hoje, deixei uma vírgula onde não precisava. Só para lembrar que estive ali.