A escrita na Era dos Algoritmos: o esvaziamento da subjetividade

A escrita na Era dos Algoritmos

A influência dos algoritmos na produção textual

Será que você, ainda, consegue escrever como sujeito que reflete, que elabora, que transcende? Aliás, se isso foi possível algum dia, o que está acontecendo atualmente? Já nos acostumamos a produzir discursos guiados por tendências, por algoritmos que nos convencem sobre o que deve ser dito, como deve ser formulado e em qual tom deve ser apresentado.

Afinal, ao não seguirmos essas tendências, nos resta a invisibilidade e o esquecimento. Nesse contexto, eu pergunto: o que está acontecendo com a nossa capacidade de produzir textos além da mera repetição de fórmulas e estilos que circulam incessantemente pelas redes sociais?

Atualmente, a escrita e o discurso* são moldados por plataformas que limitam o tempo, o espaço e, inclusive, a forma como argumentamos. Quantas vezes você se observou escrevendo mais para agradar o algoritmo, para obter curtidas e compartilhamentos, do que para expor uma ideia autêntica e complexa?

As redes sociais impõem uma estética discursiva baseada na brevidade, na viralização, na emoção rápida, e acabam por desestimular a elaboração cuidadosa, o desenvolvimento lento de um raciocínio.

* Não penso escrita e discurso separados. Mas faço essa segmentação para indicar a escrita como materialização do discurso, e o discurso para o plano mais abstrato, potencial.

Será que ainda conseguimos sustentar uma escrita que busca transcender o imediato? Que se arrisca na complexidade, no aprofundamento, no incômodo? Ou a lógica da exposição digital já nos treinou para evitar qualquer esforço que não se traduza rapidamente em performance, engajamento ou aceitação pública?

O impacto das tecnologias digitais na subjetividade

A naturalização do uso de ferramentas digitais — de sistemas de produção automática de texto, mas também das dinâmicas próprias das redes — está transformando radicalmente a nossa relação com a escrita, especialmente com a escrita acadêmica e intelectual. Se antes o desafio era evitar o plágio, hoje é evitar a substituição completa do próprio ato de pensar.

Tecnologias como o ChatGPT organizam informações com velocidade e precisão impressionantes, mas não são capazes de produzir subjetividade, tampouco de sustentar a criatividade, o que caracteriza a verdadeira produção intelectual. O discurso que emerge dessas mediações tende à homogeneização, ao previsível, ao automatizado.

Se antes escrevíamos para elaborar o mundo e nos transformar com essa elaboração, agora escrevemos para sermos consumidos, aprovados, curtidos. A escrita, nesse cenário, deixa de ser uma via de transcendência, de acesso ao que está além do imediato, e se reduz a uma função pragmática: responder, interagir, se manter visível.

O que está em jogo, então, envolve mais do que o futuro da escrita: trata-se da preservação do pensamento. A normalização do uso de ferramentas que evitam a “dor de pensar” — com a promessa de escrita, decisão e estruturação de argumentos automáticas — implica a substituição do sujeito que escreve, a dispensa da interioridade e a prescindibilidade da subjetividade no discurso.

Você já se perguntou o que perdemos, como sociedade, quando escrever deixa de ser um ato de elaboração subjetiva e se torna apenas um produto funcional, ajustado ao que o algoritmo favorece/ é capaz de oferecer? Quantos de nós ainda resistem ao esvaziamento da escrita como espaço de transcendência, como prática de liberdade intelectual?

Nos últimos anos, tornou-se cada vez mais comum o fenômeno de livros digitais inteiros sendo escritos por máquinas e lançados ao mercado como grandes sucessos mundiais, muitas vezes sem que os leitores ao menos saibam que não houve ali um processo humano de elaboração subjetiva.

Esse cenário, que já seria preocupante no campo da cultura, torna-se ainda mais alarmante quando se observa a adesão, mesmo na Pós-graduação (na ciência — espaço tradicionalmente dedicado à valorização do pensamento rigoroso e da produção intelectual original), de pesquisadores que utilizam, descaradamente, essas ferramentas automáticas não para apoiar reflexões complexas, mas para cumprir, rapidamente, as exigências institucionais e obter títulos acadêmicos.

O que constituía, anteriormente, uma ameaça representada pelo plágio, atualmente cede lugar a algo ainda mais grave: a substituição completa do ato de pensar por um processo de não elaboração do próprio pensamento, esvaziada de subjetividade e de responsabilidade ética.

É importante resistir, e recusar essa homogeneização; reafirmar que a escrita é processo de subjetivação, de reflexão profunda, de abertura para o novo e o incalculável. Significa também cultivar o tempo e o silêncio necessários para que o pensamento se desenvolva, mesmo quando tudo ao redor sugere velocidade, eficiência e superficialidade.

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