Memórias de um Professor: o que é critica

Memórias de um Professor: o que é critica

Trecho de e-mail enviado aos meus alunos do Ensino Médio, no período em que ainda lecionava. Saudades!

O que eu quero dizer com “ser crítico”?

Pessoal, quando digo a vocês para serem mais críticos ou que eu exijo um posicionamento textual de vocês mais crítico, não refiro-me ao significado de crítico como o clichê presente em relação a pessoas que “apenas criticam”. Criticar de maneira destrutiva os outros não significa diretamente”ser crítico”.

 O texto não está pronto e apenas no papel, intacto e imutável. Cada um de vocês dialoga com um texto de acordo com outros textos lidos. Cada texto lido pode ser relacionado à realidade de vocês ou de outras pessoas. Um posicionamento consciente diante do mundo em relação a leituras prévias, discursos de outras pessoas e experiências vividas permite, de alguma maneira, a crítica.

Mas aqui ela deixa de ser crítica quando uma pessoa não se posiciona sobre esses textos, sobre o mundo ou sobre si mesmo, quando essa pessoa perde-se em clichês, ou na falta de reflexão, quando ela é vencida pela passividade e é incapaz de refutar outras críticas ou quando ele perde-se na irracionalidade, não há crítica.

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#Memórias de um Professor: o que é critica

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O gigolô das palavras

O gigolô das palavras

Quatro ou cinco grupos diferentes de alunos do Farroupilha estiveram lá em casa numa mesma missão, designada por seu professor de Português: saber se eu considerava o estudo da Gramática indispensável para aprender e usar a nossa ou qualquer outra língua. Cada grupo portava seu gravador cassete, certamente o instrumento vital da pedagogia moderna, e andava arrecadando opiniões. Suspeitei de saída que o tal professor lia esta coluna, se descabelava diariamente com as suas afrontas às leis da língua, e aproveitava aquela oportunidade para me desmascarar. Já estava até preparando, às pressas, minha defesa (“Culpa da revisão! Culpa da revisão!”). Mas os alunos desfizeram o equívoco antes que ele se criasse. Eles mesmos tinham escolhido os nomes a serem entrevistados. Vocês têm certeza que não pegaram o Verissimo errado? Não. Então vamos em frente.

Respondi que a linguagem, qualquer linguagem, é um meio de comunicação e que deve ser julgada exclusivamente como tal. Respeitadas algumas regras básicas da Gramática, para evitar os vexames mais gritantes, as outras são dispensáveis. A sintaxe é uma questão de uso, não de princípios. Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer “escrever claro” não é certo, mas é claro, certo? O importante é comunicar. (E quando possível surpreender, iluminar, divertir, mover… Mas aí entramos na área do talento, que também não tem nada a ver com Gramática.) A Gramática é o esqueleto da língua. Só predomina nas línguas mortas, e aí é de interesse restrito a necrólogos 1 e professores de Latim, gente em geral pouco comunicativa. Aquela sombria gravidade que a gente nota nas fotografias em grupo dos membros da Academia Brasileira de Letras é de reprovação pelo Português ainda estar vivo. Eles só estão esperando, fardados, que o Português morra para poderem carregar o caixão e escrever sua autópsia definitiva. É o esqueleto que nos traz de pé, certo, mas ele não informa nada, como a Gramática é a estrutura da língua, mas sozinha não diz nada, não tem futuro. As múmias conversam entre si em Gramática pura.

Claro que eu não disse tudo isso para meus entrevistadores. E adverti que minha implicância com a Gramática na certa se devia à minha pouca intimidade com ela. Sempre fui péssimo em Português. Mas – isso eu disse – vejam vocês, a intimidade com a Gramática é tão indispensável que eu ganho a vida escrevendo, apesar da minha total inocência na matéria. Sou um gigolô das palavras. Vivo às suas custas. E tenho com elas exemplar conduta de um cáften profissional. Abuso delas. Só uso as que eu conheço, as desconhecidas são perigosas e potencialmente traiçoeiras. Exijo submissão. Não raro, peço delas flexões inomináveis para satisfazer um gosto passageiro. Maltrato-as, sem dúvida. E jamais me deixo dominar por elas. Não me meto na sua vida particular. Não me interessa seu passado, suas origens, sua família nem o que outros já fizeram com elas. Se bem que não tenha também o mínimo escrúpulo em roubá-las de outro, quando acho que vou ganhar com isto. As palavras, afinal, vivem na boca do povo. São faladíssimas. Algumas são de baixíssimo calão. Não merecem o mínimo respeito.  Necrólogos é aquele que realiza elogios sobre alguém falecido. Cáften, gigolô, é aquele que vive da prostituição. Calão é um linguajar grosseiro.

Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das suas palavras seria tão ineficiente quanto um gigolô que se apaixonasse pelo seu plantel. Acabaria tratando-as com a deferência de um namorado ou com a tediosa formalidade de um marido. A palavra seria a sua patroa! Com que cuidados, com que temores e obséquios ele consentiria em sair com elas em público, alvo da impiedosa atenção de lexicógrafos , etimologistas e colegas. Acabaria impotente, incapaz de uma conjunção. A Gramática precisa apanhar todos os dias para saber quem é que manda.

Fonte: VERISSIMO, Luis Fernando. O gigolô das palavras. In: ______. Para gostar de ler; Luis Fernando Verissimo: o nariz e outras crônicas. 10a . ed. v. 14. São Paulo: Ática, 2002. p. 77 e 78.

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