Língua e memória
Língua e memória são inseparáveis. Uma língua estrutura-se na mente de cada sujeito e também em sua cultura e em sua sociedade. Assim, o discursos, ou seja, o substrato potencial das línguas, incorpora o conjunto de saberes, normas e regras das sociedades. A sua materialização é dada a partir de textos, que são considerados aqui “falados” e “escritos”. A imagem, configura-se bastante em função da memória, é carregada de discurso, embora não justifique-se diretamente como texto. Por meio da língua, mais especificamente do discurso e do texto, forma-se a memória dos sujeitos e da sociedade, configuram-se culturas e discursos em um processo cíclico e global.
Ao presente, o processo de comunicação entre interlocutores estabelece-se a partir do momento atual, o agora, e da relação entre a pessoa “eu” e o “tu”, primeira e segunda pessoas do discurso, mas não absolutamente nesse sentido. “Eu” e “tu” permutam posições enunciativas de validação e construção de realidades. Esse processo dialoga constantemente com o passado e especialmente com o futuro. Na verdade, em uma visão de memória, o presente não parece atingível; especialmente porque o presente é efêmero e resguarda-se quase que instantaneamente no passado. Isso toma dimensões maiores em relação a processos que ocorrem a partir da observação de o que está fora de nossas mente; “o objeto”, aquilo que não está em “mim”. Por exemplo, a luz, o som. Ambos não são possíveis de percepção sincronica a sua emissão. E, inclusive, em processos “subjetivos”, que tendem ao universo interior dos sujeitos, esse processo é efêmero.
A memória está muito relacionada na sociedade à racionalidade. Hoje, inclusive, ela é sinônimo de inteligência. Ela é um desafio à inteligência artificial e às tecnologias de informação. Busca-se por uma potente memória. Existe, inclusive, na farmacologia, um farmaco chamado memoriol, que auxilia os sujeitos contemporâneos nesta função contínua da informação. Há uma grande preocupação a respeito do aprendizado de línguas: mandarim, inglês, espanhol, português… O latim, língua “morta” está mais vivo do que sempre esteve, especialmente nos radicais de suas línguas “filhas”, o português, espanhol, romeno e galego. O seu método de aprendizagem requerer um grande esforço de memória e a sua base cultural é o espelho da memória da sociedade ocidental. Por meio da memória de uma língua, as culturas estruturam-se. Há evidencias gramaticais na língua para essa afirmativa. É por isso que existe o fenômeno da variação e também os estudos da etimologia, da história da língua, entre outros.
As pessoas lançam-se ao mundo, em viagens, em busca de memórias. Aqueles que não as têm tentam construi-las, reconstrui-las ou reencontrá-las em função do tempo e de seus caprichos. No início da vida, quanto mais “vazia” a memória, maior é a facilidade de aprendizagem em função do novo, da descoberta. O que já é conhecido não interessa a muitas pessoas, perde valor, é substituído, é velho. Nesse sentido a memória é uma figura de linguagem, é um paradoxo. A sociedade precisa da novidade e desesperadamente do que está envelhecido na memória para projetar o aqui e o agora. Lançam-se olhares infindos ao passado, mas a sensação é que pouco se aprende com ele. Insistimos no mesmo erro. Recorremos o mesmo discurso, agora, um clichê. O milenarismo sempre está de volta. As guerras sempre são novamente propostas, todos os dias renascem ditadores, Hitler e Jesus Cristo.
A memória constitui-se como um olhar preciso ou assustado ao universo, é como o próprio ser humano, é um sucumbir; já é passado antes mesmo de tornar-se presente. É um metadiscurso de si mesma, materializa-se em nosso sistema biológico, está nas células, na língua, nas palavras, no discurso, na sociedade, nas paredes, na água e no ar; somos todos uma grande memória (saturada) unidos por várias línguas.