Obs: a reflexão proposta nesse post é muito mais filosófica e poética do que de cunho científico, embora fundamente-se em algumas discussões da psicologia.
No conto de Jorge Luís Borges, o personagem principal, Funes, o memorioso, não dorme, pois seus “sonhos são como a vossa vigília”.
Esse personagem tem muito a nos dizer sobre por que sonhamos. Funes não conseguia parar de pensar, tampouco dormir, ou melhor: distrair-se do mundo, ser levado ao esquecimento.
O narrador do conto afirma que:
Imagens de memória latentes podem erigir nos sonhos, livres das molduras da consciência. Mas, se temos memórias latentes, é porque fazemos uso do esquecimento para que seja possível viver o estado do lembrar-se. Só se lembra de algo que estava esquecido.
Como Funes era incapaz de esquecer, ou desligar-se do mundo, pois ele não conseguia parar de pensar, ele não conseguia dormir, já que ele não se esquecia de nada, ou seja, ele não sonhava. Os sonhos, nesse sentido, são como imagens de memórias latentes (ou soltas ao inconsciente).
O inconsciente, grosso modo, constitui uma “caixinha” em que, às vezes, em virtude de mecanismos de defesa sobre os quais nós não temos controle, algumas memórias são depositadas numa tentativa de nos proteger.
Talvez possa haver uma explicação simbólica para cada um dos sonhos de uma pessoa. Freud tentou sugerir isso em algumas de suas obras, mas a significação dos sonhos, muitas vezes, não está relacionada ao nosso presente ou ao que nos é acessível no plano consciente.
Refletir sobre os sonhos pode ser um caminho para autoanálise, mas é preciso de muita precisão para “ver a si mesmo” e conseguir compreender algo a partir da própria experiência, mas como Platão dizia, o outro “vê melhor”.
É nesse sentido que vigora a maior crítica sobre Funes: essa sua capacidade de lembrar-se constantemente de tudo, de saber as horas sem ao menos olhar no relógio representa, na verdade, um problema: o mau de arquivo de nossa sociedade. Ou seja, as pessoas não mais pensam, elas apenas armazenam informações e não sabem mais processá-las, contextualizá-las:
Havia aprendido sem esforço o inglês, o francês, o português, o latim. Suspeito, contudo, que não era muito capaz de pensar. Pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair. No mundo abarrotado de Funes, não havia senão detalhes, quase imediatos.
Link para leitura do texto de Funes: https://criteriorevisao.com.br/funes-o-memorioso/