Análise conversacional

Resenha da obra Análise Conversacional

 ORECCHIONI, Catherine Kerbrat. (2006). Análise da conversação. Princípios e Métodos.São Paulo:Parábola Editorial.

  A obra de Catherine Kerbarat-Orecchioni, intitulada Análise da conversação: princípios e métodos, trata da investigação de regras e normas na conversa, em processos interacionais. Segundo a autora, embora por muito tempo tenha-se acreditado que não há regularidade na fala, a análise conversacional rompe esse paradigma atrelado à valorização da língua escrita e revela que há “ordem”, “padrões” na conversação e ela está relacionada a processos de coesão e de coerência nas negociações de sentido, se assim considerarmos a conversação como texto. Assim, a autora afirma que “também se devem priorizar os discursos orais e dialogados, considerandos como a forma primordial de realização da linguagem”.

Catherine Kerbrat-Orecchioni é doutora em linguística, professora da Universidade Lunière Lyon-II. A sua especialização em pragmática trouxe grandes contribuições para esta obra, muito reveladora sobre as interações face a face. Ela também é especialista em Análise de Discurso, o que também é ponto positivo, visto que a ADC ou AD são áreas interdisciplinares e podem ser alinhadas à proposta da Análise da Conversação.

A obra é divida em 15 seções: 1. A análise das conversações; 2. As diferentes correntes em análise das interações; 3. O contexto; 4. O material; 5. O sistema de turnos de fala; 6. A organização estrutural das conversações; 7. A relação interpessoal; 8. A polidez: aspectos teóricos; 9. As manifestações linguísticas da polidez; 10 A polidez: balanço; 11. A variação cultural: alguns dados; 12. A variação cultural: outros aspectos; 13. Por uma tipologia dos “estilos comunicativos”; 14. Estudos de duas trocas rituais; 15. Conclusões.

Pelos títulos do sumário, é possível imaginar que a obra é de ordem introdutória sobre o tema, o que de fato é verdade. Ela não é um manual para análises, embora traga conceitos que podem ser levados em consideração para fundamentação de critérios de análise.

As primeiras páginas tratam de conceitos relacionados à noção de interação nas conversações. Segundo a autora, necessariamente, “o exercício da fala implica uma interação”, o que significa dizer que há trocas e influências no contato com o outro. Nesse sentido, a fala é sinônimo de troca, de alternância. No entanto, é necessário que os interagentes estejam engajados e que manifestem esses sinais nas interações para que a comunicação seja efetiva. É relevante trazer a essa discussão a reflexão de que o engajamento nas interações está atrelado, muitas vezes, ao compartilhamento, em certo nível, de crenças, valores, costumes, e a aspectos inconscientes que são responsáveis pela concordância. Isso significa que o engajamento nas interações ocorre e às conversações não surgem do acaso, elas são motivadas por fatores políticos, sociais, econômicos, religiosos e até de ordem inconsciente.

A autora apresenta marcações na conversação que permitem revelar as posições de o que ela chama de “emissor” e “receptor”. No entanto, a sua concepção de comunicação parece estar atrelada à antiga visão de emissor e receptor, código e mensagem.

Um conceito relevante, abordado nessa seção, é o de sincronização interacional, que nos permite compreender as “influências mútuas” que os interagentes exercem um sobre o outro, o que pode ser relacionado ao próprio processo de negociação de sentido nas interações.

            Ainda nessa primeira seção, ela afirma que “Os meios pelos quais os membros de uma sociedade podem interagir são extremamente diversos, e nem sempre são de natureza linguística”. Essa afirmação é muito positiva para refletirmos se toda interação é de ordem linguística, embora a autora não forneça ao leitor exemplos de interações de ordem não linguística. Essa discussão é similar à diferenciação entre texto e discurso e à própria dicotomia linguística relativa à forma versus substância. Primeiramente, é importante ressaltar que o sentido é negociado nas interações pelos interagentes, assim, são eles os responsáveis pela negociação.

Além disso, o contexto é fundamental à compreensão de o que possa ser a “natureza linguística das interações”, visto que esse jogo simbólico entre sentido, interação e sociedade depende do contexto das interações, contexto como espaço físico e também psicológico. Se pensarmos que o texto (verbal ou não verbal) está para as interações no sentido de não ser possível haver interações sem que haja discurso e às vezes texto, como seria possível compreender uma interação de natureza não linguística ainda mais se consideramos o termo linguístico no sentido de discurso, potencial à materialização de textos, latente nas práticas sociais?

A autora parece compreender a “natureza linguística” no sentido de língua falada ou escrita, somente. Por isso, exemplifica, após essa afirmação, que, em exemplo hipotético em que interagentes estejam em fluxo nas ruas, “cada um deve não falar em seu turno, mas passar na sua vez”. Há um aspecto nesse processo que talvez a autora não tenha pensado, como o “passar” de cada um” no trânsito. Essa ação, embora não esteja manifestada “linguisticamente”, representa potencialmente caráter linguístico em função de estar carregada de discurso. O sentido dessa ação pode ser atribuído à própria noção de cidadania, pois, se os carros permanecem parados, eles atrapalham o trâmite na rua e impedem o direito do outro, de passar. Da mesma maneira, embora eles não falem, eles interagem, pois, no caso de ser noite, um automóvel, em seu fluxo de passagem, pode sinalizar, por meio de pisca alerta, ou de luzes traseiras, sentidos, como: “irei virar para a esquerda ou direita, não estarei mais ‘nesse fluxo'”.

Segundo ela, as interações podem ser verbais, não verbais ou ainda mistas. Na seção sobre o contexto, segundo a autora, a situação comunicativa compreende os seguintes elementos: o lugar, o objetivo, os participantes. Sobre esse último, talvez não seja muito relevante em algumas análises a “categorização” dos interagentes, pois eles assumem papéis mútuos na interação, ora de emissor, ora de receptor.

A comunicação oral é multicanal e pluressimiótica. As unidades semióticas podem ser verbais, paraverbais e não verbais. Essas unidades são, na verdade, o material: verbal, paraverbal e não verbal. O material verbal, organiza-se a parti de unidades fonológicas, lexicais e morfossintáticas. O material não verbal distingue-se das anteriores por serem percebidas pelo canal visual: os signos estáticos (características dos participantes que fornecem índices de contextualização), os cenéticos lentos (as distâncias, as atitudes e as posturas) e os cenéticos rápidos (jogos dos olhares, das mímicas e dos gestos), a autora não revela muito sobre esse material, inclusive, porque segundo ela, o enfoque dessa obra está na linguagem verbal e, nesse caso, a conversação é um tipo específico de linguagem verbal. Sobre as distâncias, elas são analisadas pela proxêmica, as outras unidades situam-se na cinésica. O material paraverbal, por sua vez, acompanha as unidades linguísticas e são transmitidas pelo canal auditivo: entonações, pausas, intensidade articulatória, elocução, particularidades da pronúncia, características da voz. Assim, nas interações, os sentidos são gerados a partir de sua “materialização” por meio de o que é dito, mas também do não dito, bem como de mímicas, enfim, signos diversos.

A autora revela algumas regras de organização das conversas, entre elas o turno, mas elas não são tão rígidas, no entanto. Isso nos revela que as interações são marcadas por momentos de alternância entre as falas dos interagentes. O desenvolvimento da interação, bem como a construção da relação pessoal são mediadas pela alternância.

A autora dedica um capítulo ao estudo das regras de polidez, o que é bastante significativo para a investigação das interações. Nesse sentido, a autora, no entanto, trata da polidez em uma perspectiva linguística, ou seja, verbal, o que corrobora inicialmente o seu forte posicionamento à sua noção de o que pode ser de “natureza linguística”. A autora inicia a seção apresentando o modelo de Brown e Levinson. Ela ressalta que esse modelo tomou emprestado o conceito de “face” de E. Goffman. Segundo ela o termo foi utilizado em função da incorporação do “território”.

Nesse modelo de Brown e Levinson, todo ator social possui duas faces, a negativa e a positiva. A face negativa relaciona-se ao conceito de Goffman sobre os “território do eu” (território corporal, espacial ou temporal, bens materiais ou saberes secretos…). A face positiva, por sua vez, corresponde à percepção dos atores sociais sobre si mesmos, a qual tentam “impor” na interação. Esses conceitos são muito reveladores e pertinentes, pois nas interações cada um dos interagentes revela um pouco de si, o que insere a conversação no plano das representações. E, dependendo do conceito que um interagente tem sobre o outro, a autora estipula quatro categorias para essa relação: atos que ameaçam a face negativa do emissor, atos que ameaçam a face positiva do emissor, atos que ameaçam a face negativa do receptor, atos que ameaçam a face positiva do receptor. Nessa seção, não fica muito clara, a diferença entre face negativa e face positiva. As seções dos capítulos do livro seguem, no início, padrão com breve conclusão sobre cada unidade. No entanto, não são todas as seções que seguem essa regularidade.

A obra também trata das conversações a partir da perspectiva cultural dos interagentes. Esse assunto é interessante, pois muitas vezes justifica o fato de haver regularidade nas conversas. Por outro lado, quando comparadas com outras conversas, em contextos culturais distintos, essas regras distanciam-se com a finalidade, inclusive, de nos lançar a própria noção de identidade. Nesse sentido, as comunicações interculturais podem gerar mal entendidos para os interagentes.

No último capítulo da obra, como é apresentado no índice, há uma conclusão. No entanto, essa seção não baseia-se nos assuntos anteriormente tratados. Esse capítulo, configura-se, na verdade, como uma nova seção sobre negociações interculturais, como foi mencionado no parágrafo anterior.

A linguagem utilizada pela autora é, de maneira geral, clara. Talvez a leitura no original seja mais menos ambígua em alguns aspectos.

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