Fundamentos Histórico-Linguisticos do Português do Brasil de Sílvio Elia

  • Mesa redonda sobre a obra: Fundamentos Histórico-Linguisticos do
    Português do Brasil de Sílvio Elia
    Assunto: Os bandeirantes e a formação do dialeto caipira no século XVIII em Goiás
    Bibliografia:
    ELIA, Silvio. Fundamentos Histórico-lingüísticos do Português do Brasil – Rio de Janeiro – RJ. Editora Lucerna, 2003.
    AMARAL, Amadeu. O dialeto caipira. São Paulo: HUCITEC, 1976.
    LINHARES, Andrey Aparecido Caetano. Linguagem e identidade cultural caipira no município de Mossâmedes: por uma nova concepção acerca da linguagem caipira. Revista da UFG, Vol. 7, No. 01, junho 2004 on line (www.proec.ufg.br)
    PINTO, Carlos Ignácio. O caminho das Minas de Goiás. On line (http://www.klepsidra.net/klepsidra12/caminhosgoias.html)
    BAGNO, Marcos. Preconceito Lingüístico. O que é. Como se faz. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
    CASTRO, M. C. D. de. O alçamento e o abaixamento vocicos no dialeto da região
    do Gerais de Balsas. Revista Signótica, v. 19, p. 277-298, 2008b.
    Carmo, Laura do. A voz do caipira em Amadeus Amaral. On line
    www.coresmarcasefalas.pro.br/adm/anexos/11122008005546.pdf
    SANTOS, T. F. R. – Falares rurais goianos. Revista da UFG, Vol. 7, No. 01, junho 2004 On line (www.proec.ufg.br)
    Século XVIII – Bandeirantes
    De acordo com Silvio Elia, o século XVIII marcou o fim do período colonial no Brasil. Os principais acontecimentos para esse século são: franceses no Rio de Janeiro,
    corrida do ouro, expansão territorial (bandeirantismo), fixação de fronteiras, lutas contra os espanhóis e a colonização do sul, o iluminismo e a colonização dos jesuitas, a conjuração mineira. Abordarei neste trabalho o período conhecido como “corrida do ouro” e a “expansão territorial (bandeirantismo)”. Incentivados pelo aparecimento de prata no sul, portugueses, brasileiros, mamelucos, por meio de expedições e bandeiras (expedições não oficiais), lançam-se em busca de metais preciosos no interior do Brasil.
    Os bandeirantes eram oirundos principalmente de moradores da Capitania de São Vicente (São Paulo). O ciclo do ouro extende-se a meados do século XVIII e encerra o século com o chamado povoamento (não proposital segundo Capistrano de Abreu). Os bandeirantes em Goiás no século XVIII O Estado de Goiás tem suas bases no apogeu do ciclo do ouro, no século XVIII, conhecido como século das bandeiras. Conseqüentemente, esse período influenciará não apenas na geografia dessa região, mas também na sua condição cultural, socioeconômica, educacional, judiciária, religiosa e lingüística. É nessa perspectiva que este trabalho lingüístico é proposto. Nas palavras de Mattos e Silva, uma pesquisa linguística que se insere em contextos históricos exige um conhecimento “sobre vários aspectos da contextualização histórica que funcionava a língua no momento estudado”.
  • Para Carlos Ignácio, três eram os caminhos paulistas que conduziam às regiões
    mineradoras:

    “(…) sendo o principal deles, o que passava pela garganta do Embu, mais conhecido por Caminho Velho. O segundo seguia por Atibaia, Bragança e Extrema transpondo a serra da Mantiqueira por Camanducaia (trajeto percorrido por Fernão Dias e Castelo Branco (5) ) e o terceiro, o Caminho dos Guaianases, que passava pelo vale do Mogi – Guaçu e Morro do Gravi e que constituiu o traçado inicial do Caminho de Goiás. Apesar de o comércio de São Paulo para as Gerais ter se estabelecido já ao final do século XVII, o “Caminho dos Guaianases” só se constitui como importante via de comércio após 1725 (época da descoberta do ouro em Goiás), transformando-se no Caminho de Goiás. Até então, somente à parte

    que compreendia até Mogi Mirim, por estar ligada ao comércio das Gerais, tinha importância comercial.”
    Segundo Bertran, a ocupação da região norte de Goiás se deu entre os anos 1600 e 1725 pelas entradas Leste-Oeste, diferentemente da ocupação da região sul de Goiás, que foi predominantemente dominada por migrantes das entradas Sul-Norte . Tais diferenças na origem e nas intenções dos migrantes acarretaram uma divisão sócioeconômica no Estado de Goiás. Essa divisão é atestada por Jurandyr Pires Ferreira, diretor do IBGE em 1958 – concomitante à época da construção de Brasília:
    Goiás divide-se nitidamente em dois tipos de civilização. Aquela que se desenvolve ao sul recebendo o influxo do Triângulo Mineiro e a influência paulista, e o norte, cujas dificuldades de comunicação têm criado uma formação econômica isolada e em grande parte marginal. Na transição das duas zonas se sente uma espécie de barreira política onde se entrelaçam mentalidades diversas, formações éticas diferentes e até mesmo conceitos de vida diferenciados (Enciclopédia dos municípios brasileiros, 1958: 5, 7).
    Com o fim do período da mineração no final do século XVIII, as populações que se concentravam nas regiões de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso se dispersam e de certa forma retomam o modo de vida rústico da antiga população paulista, compondo a cultura caipira (RIBEIRO, 1995).
    O dialeto Caipira em Mossâmedes A exemplo do declínio do período da mineração mencionado no texto anterior, aponto o Município de Mossâmedes. O início da história do município é por volta de 1755, um aldeamento chamado Aldeia de São José com o intuito de abrigar alguns grupos indígenas, mas teve breve duração. Em 1774, foi reconstruído e recebe o nome de Mossâmedes. A partir de 1780 foram sendo agregadas outras pessoas no aldeamento.
    Eram pessoas da própria região, indivíduos pobres e que encontraram, no aldeamento, moradia de graça e suprimentos a custos satisfatórios. Os grupos indígenas que passaram por esse aldeamento foram: Akroá, Karijó, Naudez, Javaé, Karajá e Kayapó. Os índios não se adequaram ao estilo de vida ali, também houve várias deserções e mortandades e, por causa disso, por várias vezes o aldeamento entrou em decadência, até ser abandonado por completo. Dessas ruínas encontra-se o arraial de Mossâmedes; de 1780 foram sendo agregadas outras pessoas no aldeamento. Ao contrário do que ocorreu na cidade de Goiás, em Mossâmedes não havia muito ouro e com o fim do ciclo de mineração os residentes de lá se dispersam pelas grandes fazendas da região, aonde, na situação de agregados, trabalhava. Hoje, com a expansão do capitalismo para a zona rural, muitas coisas mudaram. Como lembra Candido (1998) [1964], a economia de mercado criou novas necessidades; algumas delas foram facultativas, podendo o caipira adaptar-se ou não; porém, outras foram imperativas, não deixando ao caipira possibilidades para escolha, o que alterou paulatinamente sua cultura.
    Têm-se, abaixo, algumas entrevistas extraídas da revista da UFG do pesquisador Andrey Aparecido Caetano, em que pessoas, da zona rural do município de Mossâmedes, falam de seu cotidiano e de suas principais atividades de lazer, é possível associar os diálogos abaixo à influência cultural e lingüística de toda essa região desde o século XVIII : “O que eu faço no meu dia’dia é levantá cedo, tirá leite; levanto de madrugada (tem essa vantage!) cedo nóis já sortô as vaca, né. E o serviço q’eu faço mais pesado é zelá do meu gado; eu num güento mexê com enxada, num güento nem amolá uma foice, andá longe eu num güento; eu sofro da coluna, né. Minha vida aqui na roça é essa”. ( Francisco Gomes dos Santos, conhecido como Chiquim do Zé Pedro).
    “Na hora q’eu levanto, lavo o rosto, tomo café, depois trato de porco, vô no curral tirá leite, depois eu bebo leite, depois eu vô pegá cavalo (mais o que?); depois eu vô cortá cana, capim, fazê ração, tratá do gado (…). Se eu tô aqui hoje desde cedo, un’hora dessa já tinha cabado tudo. Agora, un’hora dessa é hora d’eu tirá uma forguinha; aí depois, de tarde começa de novo, quando dá quato hora começa o batuto traveiz; aí eu vô oiá uma vaca, oiá roça, retocá uma cerca, né; daí, vai até escurece”. (Geobaldo Prachedes)
    “Levanto, faço café, arrumo café da manhã, águo a horta, lavo vasia, faço o serviço da parte da manhã, faço o almoço. Na parte da tarde eu tô torrano muito porvilho (esse mêis tá apertado!); faço janta na parte da tarde e é o dia intero esse serviço”. (Divina Inácio da Silva Cruz).
    “Bom, aqui sempre nos dumingo, eu vô na casa de uma vizinha que tem aqui perto; lá, às veiz tá passano um filme assim q’eu interesso, eu vô assistí junto com as menina; e também uma veiz por ano nóis vai no Rio Vermelho, vai toda minha família, e lá é onde nóis diverte mais. E às veiz tem uma festa na igreja, a gente vai, passa o dia todo na reunião da mocidade, batismo, alguma coisa assim”. (Léa Rodrigues da Silva Oliveira).
    “Aqui nóis pesca; nóis pesca traíra alí na Fartura. Passiá, nóis vamo sempre lá em
    Mossâmede na casa da minha mãe, da sogra; de vez em quando, no final de semana, vamo na casa do vizim bebê um cervejinha, assá carne. É esse tipo o lazer nosso”. (Jorcelino Pereira da Silva)
    Longe de ser uma forma “errada” do caipira fazer uso das palavras, tal linguagem constitui um dialeto que, segundo Amadeu Amaral (1981) [1920], forjou-se a partir de elementos do tupi, da influência de outras línguas, entre as quais, a africana e a castelhana, das criações que emergiram no próprio meio caipira e, fundamentalmente, do português arcaico dos séculos XV e XVI; segundo Amaral, “Lendo-se certos documentos vernáculos dos fins do século XV e de princípios e meados do século XVI, fica-se impressionado pelo ar de semelhança da respectiva linguagem com a dos nossos roceiros e com a linguagem tradicional dos paulistas de ‘boa família’, que não é senão o mesmo dialeto um pouco mais polido” (ibid: 56).
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