Não tenho problemas para falar, abertamente, sobre isso no meu site. Lamento a visão daqueles que perpetuam o discurso infeliz que busca considerar a linguagem formal como uma linguagem objetiva, absoluta e inflexível. É muito delicado dizer isso a um cliente ou a um leigo, que não seja de minha área (e até aos que sejam rsrs), mas, em humanas, não há resultados absolutos. E eu pago um prêmio para qualquer revisor que, de fato, tenha proposto revisão absoluta ou que não possa ser “melhorada” ou melhor adequada a determinado público/gênero textual.
Cada olhar sobre o texto é, apenas, um olhar e não será um olhar absoluto. Não defendo com isso o discurso de um olhar desatento do revisor, mas, muito pelo contrário, o primeiro olhar sobre um texto não será o último. Na verdade, o cuidado com o texto deve começar desde o processo de redação deste. O problema é que muitos autores escrevem péssimos textos e atribuem ao revisor toda a responsabilidade por isso, o que é bastante perverso. Espera-se do revisor uma atitude messiânica, especialmente no Brasil. Espera-se que esse profissional aja como um “estado patriarcal”, como o próprio Brasil o é, e que ele seja um redentor absoluto de toda “a verdade” textual.
Se autores gostam de falar em “erros”, que fique claro, os “erros” gramaticais e ortográficos relativos a textos que o revisor recebe foram cometidos pelo próprio autor. O que mensura o serviço subjetivo de revisão não é a falsa ideia absoluta de que o texto estará perfeito, após A REVISÃO (sensação que, muitas vezes, é transmitida muito mais pelo engajamento nas interações entre revisor e autor do que pela qualidade do serviço). Como revisor, eu, por exemplo, mensuro o meu serviço em virtude da quantidade de alterações que faço em um trabalho. Também fundamento-me, além de meu longo histórico com revisões, em meus atestes, bem como no fato de eu ser “perito” em minha própria área. Para cada 100 laudas revisadas, costumo realizar, quando considero o texto sem muitos problemas, cerca de mil alterações. Quando o texto tem sérios problemas, para cada 100 laudas, chego a realizar entre 3 a 6 mil alterações (nesse caso, o cliente terá, praticamente, um novo texto).
Pode parecer um absurdo eu dizer isso, mas prefiro que o meu discurso ecoe como algo absurdo do que como uma falácia, ou um conforto aos olhos dos leigos, como uma carcaça que reveste a minha ignorância em relação ao que constitui, de fato, a realidade. Para sustentar a minha afirmação, compartilho a história do impressor, poeta e escritor Estienne Dolet, mais um desses defensores absolutos do ofício de revisão. Segundo Aristides (2008), em Além da Revisão, pág. 28, o impressor exaltava tanto a revisão “que pregava suas provas tipográficas na porta da oficiana, ‘dando um prêmio àqueles que nelas descobrissem um *pastel’ (AREZIO, 1925:13)”. Dolet ganhou fama com esse discurso absoluto, mas, apesar de sistemático e exigente, e de oferecer “prêmios a quem apontasse falhas em suas obras”, este escritor não se livrou da “abominável errata”. Citado por Aristides, Arezio afirma que a dita obra-prima da chamada arte tipográfica, os Comentários da língua latina, de Dolet, continha, em suas 854 páginas, oito erros de revisão, ao fim do segundo volume.
* Erros de composição.
Nesse sentido, Arézio (citado por Aristides, pag. 64) manifesta-se acerca do estigma que, mutas vezes, o revisor recebe inadequadamente, o que justifica essa atribuição ao revisor como um messias ou aquele que, no caso do abominável “erro”, adquire status de AUTOR. Segue trecho transcrito na grafia original para (des)nortear os leigos:
“Nos tempos modernos, nos nossos dias, o revisor é quasi um anonymo no trabalho de uma imprensa, escondido, muita vez, no canto escuro da sala, a desenhar signaes á margem das provas, é o bode expiatorio de todas as culpas. Nenhum autor o cita, nem faz menção destes humildes COLLABORADORES. Se o livro sahe perfeito, todo o applauso é para o editor ou para a empresa, mas, se houve descuido, errata ou gralhas, é a revisão quem paga.
AUTORES DESCUIDADOS desculpam-se das faltas grammaticaes com o celebre erro de revisão; os legisladores, com a chapa, em nota, no fim da página: reproduzido por ter sahido com incorrecções; ou aliás, para salvar apparencias: este discurso não foi revisto pelo orador. Na verdade é que [sic] ninguém quer ser o culpado, só o revisor é o único responsável; para elle todo o castigo é pouco… mesmo aquelle que na China mandava cortar a cabeça ao revisor. (Arezio, 1925:20).”
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