Segundo Oliveira & Pykosz (2009), o movimento higienista pode ser caracterizado como um projeto relativo à intervenção social na modernidade ocidental:
O movimento higienista pode ser caracterizado como um dos mais ambiciosos projetos de intervenção social que conheceu a modernidade ocidental. Pretendendo mais que definir novos padrões de saúde, tinha, na educação de novas formas de sensibilidade, uma das suas principais motivações. Cobrindo uma gama muito ampla de saberes e práticas com claro fito de intervenção sobre a vida pública e privada, como movimento conheceu avanços e retrocessos e comportou uma dispersão discursiva que ganhava matizes diferençados nos tempos e lugares onde ressoava. As preocupações com a infância ¾ nascimento, lactação, banhos, asseio corporal, vestuário ¾, com a vida doméstica ¾ saúde e papel social da mulher, limpeza, prevenção de doenças e vícios como o álcool e o jogo ¾ e com o espaço público – urbanização, ordem, combate à propagação de moléstias e epidemias ¾ formam um conjunto nada desprezível sobre o que pode ser caracterizado como moderno e modernizador, ainda que iniciativas voltadas para a saúde individual e social não sejam prerrogativas apenas dos tempos modernos […]
O projeto higienista, dessa forma, trabalhou sobre dois aspectos: disciplinar, sobre o corpo e sobre a moral. Dessa forma, o discurso de higiene se transformou em um campo de luta política e moral, em que o Estado, junto com o discurso modernista, adentrou um dos últimos redutos do espaço privado: o corpo. O Estado se apoderou do discurso ¾ oriundo da ciência ¾ para determinar acesso/restrição a determinados espaços/públicos, autodeterminando-se como único agente capaz de solucionar problemas de ordem social, naturalizando os discursos das classes dominantes que pretendiam “europeizar” as cidades brasileiras, segregando e excluindo as parcelas mais pobres da população dos centros urbanos e da visibilidade. O Estado, assim, pode atuar disciplinarmente sobre os corpos e impor determinada moral, visto que “a higiene pública é sempre a garantia da paz e felicidade de um povo, todos os males e desgraças vêm, é certo, de seu abandono” (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 1908, p. 1).
O discurso higienista revelou seu aspecto moral, de forma mais ou menos aparente, nas reformas modernizadoras e urbanísticas da Primeira República no Rio de Janeiro. Não só se combatia o risco de epidemias, como se pretendia eliminar o “feio”, ou seja, tudo aquilo que não estivesse alinhado aos gostos estéticos da classe dominante. De acordo com Patto (1999, p. 179), o discurso higienista (materializado em políticas públicas) está relacionado a um determinado padrão estético/moral e a um projeto de exclusão social.
A ciência, nesse contexto, se alinha ao Estado, oferecendo uma série “de táticas capazes de responder aos anseios das estratégias de Estado […] servindo [os cientistas] de mediadores e intérpretes dos interesses do Estado pela saúde” (PAULA, 2004, p. 61). Esse alinhamento não é neutro, como afirma Costa (1999, p. 20).
O discurso sobre higiene também se articula ao de segurança. Nesse sentido, a higiene é utilizada para impedir determinados comportamentos considerados como potencialmente perigosos, ou fatores de risco ou de contaminação física.
Trecho de dissertação de mestrado de Anderson Hander.
Para citar: Xavier, Anderson Hander Brito. Viajar e punir: processos interacionais e discursivos para (des)construção de cidadania(s) na Companhia do Metropolitano do Distrito Federal. Dissertação. Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas. Universidade de Brasília, Brasília, 2015.
Capítulo 4: Identificação de aspectos de cidadania
4.3 Análise 2: higiene
Link para download e consulta de referências: https://criteriorevisao.com.br/processos-interacionais-e-discursivos/