A relação entre a linguística e o direito, apesar de pouco conhecida, é profunda e de extrema importância para a compreensão do discurso jurídico, poder e sociedade. Tradicionalmente, os advogados têm fundamentado seus estudos sobre a língua na filosofia da linguagem e em concepções arcaicas, sem considerar os avanços na área da linguística, a ciência qu estuda a língua.
No entanto, essa visão arcaica tem mudado nos últimos anos, com advogados e juristas olhando para a linguística para entender melhor a linguagem e como ela é usada no sistema jurídico. Eu, inclusive, atuo há mais de 10 anos em parceria com advogados, auxiliando-os em relação à escrita de textos jurídicos e científicos na área do direito. A linguística fornece uma compreensão mais precisa da estrutura e do uso da linguagem, permitindo aos profissionais do direito uma melhor compreensão do discurso jurídico e sua relação com o poder e a sociedade.
Muitos advogados, em virtude de uma má formação ou das próprias armadilhas do direito, ou fundamentados em pensamentos arcaicos e superados (tradição é pressão de gente morta!), às vezes incondizentes com a própria Constituição, têm o pensamento muito rígido ou se alienam, socialmente, consciente ou inconscientemente. E é preciso de muita delicadeza para compreender o ser humano e tomar decisões em nome deste ou julgá-lo. O direito, em geral, apresenta muitas lacunas, e não traz uma formação humanizadora, e assentada em uma reflexão crítica.
Assim, não dá conta de toda a verdade ou da complexidade desta. Sem a interdisciplinaridade, o advogado adentra o campo da subjetividade e reproduz a barbárie, tentando explicar fenômenos que não dizem respeito ao Direito, e que exigem compreensão de profissionais de outras áreas, como psicólogos, antropólogos, cientistas políticos e, especialmente, de linguistas.
Um linguista, analista crítico de discurso ou sociolinguista interacional, por exemplo, pode trazer grandes contribuições para um advogado (e o direito em geral) em relação ao discurso e à escrita, uma vez que essas áreas científicas possibilitam uma análise mais profunda do uso da linguagem em diferentes contextos e interações sociais, incluindo o campo jurídico.
A Análise de Discurso Crítica (ADC), desenvolvida por Norman Fairclough, é uma abordagem que busca entender como as relações de poder são reproduzidas e mantidas através da linguagem. Ao aplicar a ADC ao discurso jurídico, é possível identificar como a linguagem é usada para reforçar determinadas posições ou ideologias e como a lei é interpretada e aplicada em diferentes contextos sociais.
A ADC pode ser usada para identificar como o discurso jurídico reproduz e mantém hierarquias sociais e como a linguagem pode ser usada para discriminar grupos marginalizados.
Além disso, a sociolinguística interacional é outra abordagem analítica que pode ser útil. Essa abordagem se concentra na análise da linguagem em situações de interação face a face, incluindo conversas, entrevistas e negociações. A sociolinguística interacional pode ajudar a identificar como o discurso jurídico é moldado por fatores sociais, como o gênero, a classe social e a etnia, e como as interações sociais influenciam a interpretação e a aplicação da lei.
A linguística oferece abordagens inovadoras e métodos empíricos para analisar a linguagem do direito. Ela pode ajudar os advogados a entender como a linguagem é usada para transmitir poder e controle, influenciar a tomada de decisões e moldar a sociedade. Ao estudar a linguagem jurídica, nessa perspectiva, pode-se compreender melhor como o discurso jurídico pode, também, ser usado para criar e reforçar desigualdades sociais e políticas.