O Revisor de Textos como mediador

Já redigi vários artigos em que esclareço que o Revisor de Textos é um mediador, o que desconstroi a imagem desse profissional como um messias ou mal entendidos que o colocam, indevidamente, na posição de autor do texto do cliente.

Recentemente, li um artigo científico muito interessante, em que um dos capítulos trata dessa questão. Trouxe um trecho do texto que julguei pertinente às discussões que trago em meu site, o que corrobora o meu pensamento em relação ao Ofício de Revisão de Texto.

O texto trata, também, de um aspecto mais abrangente da Revisão, relativa à atividade de tradução, mas as reflexões, em parte (retirei os devidos trechos que se aplicam ao que quero dizer), sustentam a minha argumentação.

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O Revisor enquanto mediador

A dificuldade de descrição das tarefas do Revisor de Textos é tanto mais profunda quanto maior for o número de interações que esse profissional tem de estabelecer no exercício da sua atividade. Tais interações podem assumir diversos padrões em função do grau de complexidade dos projetos em que o revisor está envolvido, assim como do número de elementos neles intervenientes (cf. Diagramas 2 e 3 do Guia Prático). É nesse circuito de produção textual (cf. Volochinov, 1990 [1929]) que o revisor tem continuamente de se esforçar por assegurar o seu lugar, definindo estratégias e métodos de trabalho, estabelecendo prioridades perante os condicionalismos a que está sujeito e interagindo sempre com os restantes parceiros, de forma mais ou menos indireta, consoante as ferramentas de trabalho utilizadas, os géneros de texto em causa e as próprias escolhas linguísticas (cf. Bronckart, 2005), que, por vezes, lhe são impostas.

Considerando o circuito mais comum (cf. Diagrama 2a do GP) e recorrendo a uma lógica descendente, isto é, partindo da modalidade em que há um maior grau de interação direta, são de destacar as seguintes modalidades no contexto específico da revisão de textos técnicos traduzidos:

a) o revisor e o(s) texto(s) (original, tradução, revisão);
b) o revisor e os instrumentos de trabalho, que englobam várias categorias, nomeadamente:
i) os instrumentos de normalização linguística;
ii) os materiais de referência fornecidos pelos clientes;
iii) as ferramentas de tradução assistida por computador e de apoio à
revisão;
Doravante, sempre que for feita alguma referência ou remissão para o Guia Prático, será utilizada a sigla GP.
c) o revisor e o cliente intermediário (agência de tradução);
d) o revisor e o tradutor;
e) o revisor e o cliente final.

Esta complexidade estrutural, inerente ao setor de atividade em causa, reflete uma dependência recíproca mas em permanente assimetria (cf. Bota, 2009) entre os vários elementos acima elencados, já que nem todos os participantes do circuito têm o mesmo poder de decisão.

Os aspetos anteriormente focados podem, mais uma vez, ser associados ao caráter dialógico de qualquer produção textual, nos termos enunciados por Volochinov e retomados por Bronckart (1999). Segundo aquele autor, “toda a palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte.” (Volochinov, 1990, p. 117) ou, no contexto em questão, entre clientes, tradutor e revisor. Este, por sua vez, é “ouvinte” ao interpretar as instruções que lhe são fornecidas e torna-se simultaneamente agente de produção textual, logo também “locutor”, no sentido em que contribui para a génese de novos textos na sua língua materna. Durante este intercâmbio, o revisor terá não só de respeitar as intenções comunicativas dos clientes, mas também de manter presente que o texto revisto terá um destinatário final, isto é, um público-alvo, sobre o qual o revisor nem sempre recebe muitas informações.

Por último, há ainda que salientar um outro elemento presente ao longo de todas as fases do processo de revisão, seja qual for o padrão em causa: a linguagem interior do próprio revisor. O revisor tem os seus mecanismos de pensamento individuais e estes também irão ter impacto nas suas práticas de revisão, ou seja, nas suas intervenções no texto. Assim, ao inserir eventuais alterações, o revisor está a agir sobre o texto, ao mesmo tempo que está a agir pela linguagem, o que remete para uma dimensão praxiológica da mesma (cf. Bronckart, 2008). Com base nos respetivos conhecimentos e competências, é a voz da consciência do revisor que vai estabelecer a ponte, isto é, que vai mediar e tentar encontrar o equilíbrio, por exemplo, entre aquilo que é aceitável de acordo com a norma linguística vigente e aquilo que é exigido pelos clientes, já que estas duas dimensões podem nem sempre ser coincidentes.

[…] Tendo em conta os condicionalismos referidos e que serão aprofundados ao longo desta primeira parte do trabalho, facilmente se compreenderá que encontrar o equilíbrio entre as necessidades de todos os intervenientes neste processo é de facto uma tarefa árdua. No entanto, é igualmente verdade que quanto mais diálogo e cooperação existir entre os diversos parceiros do circuito em causa, maior qualidade terá certamente o produto final, ou seja, o próprio texto.

Fidalgo, Marta Filipa Gomes Marques. Guia para Revisores de Texto: uma proposta para o exercício de uma profissão pouco (re)conhecida. “Trabalho de projeto”. Universidade de Lisboa. 2014.

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