Legislação sobre Revisão de Textos


O ofício de Revisão de Textos precisa ganhar mais reconhecimento. Infelizmente, não há leis eficazes que tratam do assunto. A profissão não é regulamentada, tampouco há um consenso sobre sua prática ou sobre o que é Revisão de Texto. Quanto à questão de funcionarismo público, há todo um “ranço” nessa área, relativo ao jornalismo. Inclusive, durante muito tempo, solicitou-se, para cargos de revisores em concursos públicos, formação em jornalismo. Isso tem mudado (ainda bem). Uma das obras sobre Revisão de Texto, no Brasil, com maior prestígio, foi redigida por um historiador. Para mim, isso revela o fato de os Linguistas não terem muita voz no Brasil, tampouco os Professores. O campo de estudo do Revisor de Textos se assenta, principalmente, na Linguística, ciência que estuda a Língua. No entanto, as pessoas pensam que ter domínio sobre regras da gramática normativa é suficiente para que alguém seja Revisor de Texto. Os mal entendidos sobre essa profissão, na verdade, estão relacionados a uma categoria maior de outros mal entendidos a respeito de questões linguísticas no Brasil, oriundos, infelizmente, de uma educação de péssima qualidade no Ensino Básico e Médio.

 Acredito que hoje há certa banalização desse ramo de atuação. Inclusive, dizem-se “revisores” pessoas sem formação alguma ou, simplesmente, qualquer um que possui uma graduação. Em sites bem posicionados no Google, muitos afirmam que “qualquer um” pode ser Revisor de Textos. Discordo, completamente, desses dizeres. Também há uma cultura de Revisão de Textos atrelada ao ofício do jornalismo ou à prática de ensino. Professores são Professores, Revisores são Revisores e jornalistas são jornalistas. Professores não são jornalistas, jornalistas não são Revisores, tampouco Professores, Professores não são jornalistas e, muitos deles, também, não são Revisores (Professores, sem formação na área de Revisão, apenas, corrigem redações escolares).

Ocorre que o profissional de jornalismo é o profissional que tem mais prestígio no ramo de publicação e, quando se fala em Revisão de Texto, esse profissional é exaltado ao extremo, um lugar que, cientificamente falando, ele não deve ocupar, pois o curso de jornalismo não oferece estudos linguísticos, tampouco suporte para o ramo de Revisão de Texto. Mal entendidos à parte, eu acredito que seja FUNDAMENTAL a formação em Letras para que alguém seja Revisor de Textos. Jornalistas não estudam disciplinas como morfologia, sintaxe, tampouco estudam linguística, a ciência que estuda a Língua. O objeto de estudo do jornalista NÃO É A LÍNGUA. Se eu acredito que nem a formação em Letras é suficiente para o ofício de Revisão, imagine o que penso daqueles Revisores de outras áreas? Revisar não é aplicar normas da gramática normativa.

O artigo que compartilho com vocês neste post foi redigido por uma grande referência na área de Revisão de Textos, o Prof. Dr. Harrison Rocha. Ele é Revisor de Textos, Professor Universitário e foi aprovado em cargo de concurso público na área de Revisão de Textos em Brasília. Tive acesso a esse material, quando fiz curso de especialização em Revisão de Texto no UNIceub, e ele foi meu Professor de várias disciplinas. O material traz várias reflexões sobre o ofício de Revisão de Textos.


Legislação sobre Revisão e suas controvérsias[1]

 Harrison da Rocha[2]

 Ao falar de legislação, ressalto que esta não será tratada de maneira muito aprofundada. Desse modo, será feita uma incursão, localizando pontos, a meu ver, relevantes para se compreender a regulamentação da profissão de revisor no Brasil.

O Decreto-Lei n° 7.858, de 13 de agosto de 1945, de Governo Getúlio Vargas – suponho ser a primeira legislação – dispõe sobre a remuneração de revisores jornalistas, estabelece tabela de pagamento regional de remuneração mínima a ser paga, independentemente de ser atividade exercida em empresas jornalísticas, gráfica e outras empresas de caráter privado. Já no art. 2º, item b, “funções permanentes”, cita os cargos de revisor e de conferente, mas não especifica a atividade de cada uma dessas funções. Determina, por último, a jornada de trabalho máxima de 6 horas para a atividade de Revisão de Texto e de copidescagem.

Sobre essa norma legal, é oportuno lembrar que, embora não tenha sido derrogada ou revogada, ela parece ter caído em desuso, inclusive porque a legislação que vem sendo utilizada é a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), Decreto n° 5.452, de 1º de maio de 1943, que determina 5 horas diárias para o profissional de Revisão.

Apesar de haver as duas normas, muitas empresas, desconhecendo ou descumprindo a lei, não adotam a jornada de trabalho determinada em legislação, e exigem 8 horas diárias, 40 semanais. De outra parte, o não cumprimento desse decreto, como veremos, implica multa e causas trabalhistas. Esse desrespeito à legislação por parte das empresas, determinando para o revisor 8 horas diárias de trabalho, tem como base jurisprudências não assentes, consideradas por alguns juristas como idiossincrasias sobre a interpretação jurídica, tal como se pode observar na discussão a seguir.

Conforme o art. 303 da CLT, “a duração normal do trabalho dos empregados compreendidos nesta Seção não deverá exceder de 5 (cinco) horas, tanto de dia como à noite, de modo que o excedente a esse montante é considerado hora extra”. Mas há controvérsias sobre a jornada de trabalho, as quais residem no fato de que o Decreto n° 83.284, de 13 de março de 1979, juntamente com artigo 302 da CLT, classifica o que é empresa jornalística. Assim aquela carga de trabalho em órgão que não seja de atividade jornalística gera diferentes interpretações. A aplicação legalista não entenderia 5 horas diárias; mas outra visão jurídica entende que o que importa é a atividade ser igual, não o local onde se exerce a atividade.

A divergência nos tribunais ocorre porque, de fato, o artigo 302 da CLT[3], interpretado literalmente, delimita os dispositivos da seção relativa ao trabalho do jornalista aos que “prestem serviços em empresas jornalísticas”. O Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo-SP já rejeitou a possibilidade de hora extra excedente da quinta hora diária para o jornalista, enquadrando este profissional na hipótese geral, isto é, somente seria hora extra a excedente da oitava diária. A decisão abaixo demonstra esse posicionamento:

JORNALISTA. Conceituação e regime jurídico. Acórdão: 02970439420 Turma: 03 Data Julg.: 02/09/1997 Data Pub.: 16/09/1997. Processo: 02960287929 Relator: SERGIO PINTO MARTINS Jornalista. Jornada de trabalho. O artigo 302 da CLT é textual no sentido de que só são aplicados os artigos da Seção a quem trabalha em empresas jornalísticas e não a outras empresas que não sejam jornalísticas, como é o caso da reclamada, que tem por atividade o desenvolvimento habitacional. O reclamante, apesar de jornalista, não se beneficia da jornada de 5 horas. Sua jornada é anormal de 8 horas diárias e 44 semanais (ACÓRDÃO TRT n. 02970439420, 1997)[4]. (grifos meus).

Entretanto, mais recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), órgão máximo na área trabalhista, vem se posicionando diferentemente, conforme se pode verificar da decisão abaixo, proferida em 22 de agosto de 2008:

JORNALISTA. JORNADA REDUZIDA. EMPRESA NÃO JORNALÍSTICA. A jurisprudência desta Corte tem se posicionado que o jornalista, mesmo trabalhando em empresa não jornalística, tem direito à jornada reduzida prevista no art. 303 da CLT, tendo em vista que o que norteia as obrigações é a atividade desenvolvida pelo profissional, sendo irrelevante o ramo da empresa. Logo, não há violação aos arts. 302 e 303 da CLT. Incidência da Súmula nº 333 do TST. Por fim, em relação ao argumento de que a reclamante não poderia ser considerada jornalista, o Regional registra expressamente que não houve recurso da sentença de primeiro grau que reconhece a condição profissional de jornalista da reclamante, de modo que tal provimento transitou em julgado. Incidência da Súmula nº 296, I, do TST. Recurso de Revista não conhecido[5]. (grifos meus).

Cito outra jurisprudência do mesmo Tribunal:

PROCESSO Nº TST-RR-104700-57.2007.5.17.0010 – FASE ATUAL: ED. (…) ACO RDAM os Ministros da Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, em acolher os Embargos de Declaração do Sindicato-autor para, evidenciada omissão no acórdão embargado, imprimir efeito modificativo ao julgado e não conhecer do Recurso de Revista da Reclamada no tema – Jornalista. Horas extras. Observância da jornada contratual. Previsão em norma coletiva –; passar ao exame das demais matérias do Recurso de Revista da Reclamada para conhecer do Recurso apenas quanto ao tema – Preliminar de nulidade do acórdão regional por julgamento extra petita –, por violação do artigo 460 do CPC, e, no mérito, dar-lhe provimento para excluir da condenação os reflexos de horas extras sobre a multa de 40% do FGTS (…)[6]. (grifos meus).

Para corroborar a tese da carga de 5 horas para o revisor de texto, citarei a seguir matéria sobre multa aplicada pela Fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego a empresas que não cumprem a legislação dessa jornada de trabalho[7]. Esse poder de polícia é dado pela CLT que prevê a aplicação de multas quanto ao não cumprimento dos preceitos da CLT (Título VII – Do processo de multas administrativas, Capítulo I – Da fiscalização, da autuação e da imposição de multas).

Em interpretação ao artigo 626 da CLT encontra-se a seguinte matéria:

Art. 626. Incumbe às autoridades competentes do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, ou àquelas que exerçam funções delegadas, a fiscalização do fiel cumprimento das normas de proteção ao trabalho. Parágrafo único. Os fiscais dos Institutos de Seguro Social e das entidades paraestatais em geral dependentes do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio serão competentes para a fiscalização a que se refere o presente artigo, na forma das instruções que forem expedidas pelo Ministro do Trabalho, Indústria e Comercio. Curitiba, 15/08/2007 – Em 2006 e 2007, a Delegacia Regional do Trabalho no Paraná (DRT/PR) constatou 844 empresas que deixaram de cumprir o Art. 59 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Mais de 850 autuações foram aplicadas pelos auditores fiscais do trabalho, que encontraram trabalhadores laborando mais tempo que o previsto em lei. Entre as profissões com carga horária diferenciada estão os bancários, telefonistas e atendentes de telemarketing, operadores cinematográficos, trabalhadores em minas e subsolo, frigoríficos, jornalistas, professores e químicos. “Algumas profissões têm sua legislação ou Convenção Coletiva de Trabalho que estipula a carga horária a ser trabalhada”, afirma o chefe do Setor de Fiscalização do Trabalho (Sefit), José Léo Lazarus. Segundo ele, a jornada de trabalho reduzida ajuda a evitar acidentes de trabalho e protege a saúde do trabalhador de atividades laborais perigosas, insalubres ou que exigem capacidade de atenção. Um exemplo, cita Lazarus, é a atividade de telemarketing. “Caso esses trabalhadores atuem mais de seis horas diárias, podem desenvolver doenças nas cordas vocais e lesões nas articulações das mãos, pois utilizam o telefone e digitam a todo o momento”, explica. Além desses problemas, fadiga, depressão, distúrbios do sono, problemas respiratórios e principalmente o estresse elevado também podem acometer esses trabalhadores caso extrapolem a jornada prevista em lei. “Algumas atividades são consideradas de grande responsabilidade e tensão e exigem que a pessoa esteja atenta, descansada e concentrada para exercê-la com êxito”, esclarece. Os estabelecimentos que estejam descumprindo com a carga horária prevista na CLT ou em Convenção Coletiva estão sujeitos a multas que podem variar de R$ 2.736,15 a R$ 4.025,32, dependendo do porte da empresa. Os valores podem dobrar nos casos de reincidência.

A matéria enumera algumas das atividades com carga horária diferenciada (apresento resumidamente o quadro 1):

Quadro 1 – Carga horária de atividade (resumido)

 

(……)

 
 

Jornalistas, Revisores,

Fotógrafos, Ilustradores

A duração normal desses profissionais não deve exceder de 5 horas, tanto de dia como à noite. Esse período pode ser prorrogado para 7 horas, mediante acordo escrito e aumento de salário.
 

(……)

 
Professores O professor não pode, em um mesmo estabelecimento de ensino, ministrar por dia mais de 4 aulas consecutivas, nem mais que 6 intercaladas.

           Fonte: http://www.bemparana.com.br.

Uma vez que o Decreto-Lei n° 972, de 17 de outubro de 1969, recebeu nova redação introduzida pela Lei n° 6.612, de 17 de outubro 1969, no que resultou o Decreto n° 83.284, de 13 de março de 1979, este é o que está em vigor, além da CLT e de jurisprudências.

Toda a legislação que inclui a atividade de Revisão de Texto privilegia a profissão de jornalista. Isso é reforçado pelo Decreto n° 83.284/79[8]  em seu artigo 4º que diz:

(omissis)

III – o diploma de curso de nível superior de Jornalismo ou de Comunicação Social, habilitação Jornalismo, fornecido por estabelecimento de ensino reconhecido na forma da lei, para as funções relacionadas nos itens I a VII do artigo 11.

(omissis)

Em seu artigo 2º, reza que a profissão de jornalista compreende, privativamente, o exercício habitual e remunerado de quaisquer das seguintes atividades:

(omissis)

VIII – revisão de originais de matérias jornalísticas, com vistas à correção redacional e à adequação de linguagem;

(omissis)

A legislação restringe o cargo de revisor à revisão de matérias jornalísticas, isso fica patente no artigo 11: “As funções desempenhadas pelos jornalistas, como empregados, serão assim classificadas”:

(omissis)

VII – Revisor: aquele que tem o encargo de rever as provas tipográficas de matéria

jornalística;

(omissis)

Mas abre uma suposta brecha. Ao mesmo tempo em que “dá com uma mão tira com outra”. No artigo 12, quando afirma que são cargos privativos de jornalistas as funções de editor, secretário, subsecretário, chefe de reportagem e chefe de Revisão, infere-se que o profissional de Letras (ou qualquer outra área) pode revisar, mas sob a supervisão de um jornalista. Voltamos à “estaca zero”.

No Decreto citado no parágrafo anterior, o artigo 3º considera empresa jornalística, para os efeitos do Decreto, “aquela que tenha como atividades a edição de jornal e revista, ou a distribuição de noticiário, com funcionamento efetivo, idoneidade financeira e registro legal”. E continua no parágrafo primeiro: “Equipara-se à empresa jornalística a seção ou serviço de empresa de radiodifusão, televisão ou divulgação cinematográfica, ou de agências de publicidade ou de notícias, onde sejam exercidas as atividades previstas no artigo 2º.” Gráfica e editoração eletrônica, onde trabalhava, não são necessariamente empresas jornalísticas.

Assim não se pode invocar uma legislação que não ampare serviços gráficos e editoração como empresa jornalística para proibir os profissionais de Letras/Linguística atuarem na atividade de Revisão. De outra parte, uma vez que estes profissionais estejam exercendo a atividade de revisor, teriam o direito à jornada de 5 horas diárias e 25 semanais. Além disso, muitos gêneros que circulam na Editoração Eletrônica não têm natureza jornalística:

Art. 3º Considera-se empresa jornalística, para os efeitos deste decreto, aquela que tenha como atividade a edição de jornal ou revista, ou a distribuição de noticiário, com funcionamento efetivo, idoneidade financeira e registro legal. Paragrafo 1º: Equipara-se à empresa jornalística a seção ou serviço de empresa de radiodifusão, televisão ou divulgação cinematográfica, ou de agências de publicidade ou de notícias, onde sejam exercidas as atividades previstas no art. 2º (DECRETO n° 83.284, 1979). (Grifos meus).

O artigo 2º elenca como atividades privativas de jornalista, segundo o parágrafo 1º:

Art. 2º A profissão de Jornalista compreende, privativamente, o exercício habitual e remunerado de qualquer das seguintes atividades:

I – redação, condensação, titulação, interpretação, correção ou coordenação de matéria a ser divulgada, contenha ou não comentário;

II – comentário ou crônica, por meio de quaisquer veículos de comunicação;

III – entrevista, inquérito ou reportagem, escrita ou falada;

IV – planejamento, organização, direção e eventual execução de serviços técnicos de Jornalismo, como os de arquivo, ilustração ou distribuição gráfica de matéria a ser divulgada;

V – planejamento, organização e administração técnica dos serviços de que tratao item I;

VI – ensino de técnicas de Jornalismo;

VII – coleta de notícias ou informações e seu preparo para divulgação;

VI – revisão de originais de matéria jornalística, com vistas à correção redacional e à adequação da linguagem;

IX – organização e conservação de arquivo jornalístico e pesquisa dos respectivos dados para elaboração de notícias;

X – execução da distribuição gráfica de texto, fotografia ou ilustração de caráter jornalístico, para fins de divulgação;

XI – execução de desenhos artísticos ou técnicos de caráter jornalístico, para fins de divulgação. (Grifos meus).

Vale ressaltar, no caput do artigo 2º, o emprego do advérbio “privativamente” que vem entre vírgulas e deslocado da ordem direta, em posição tópica, é realçado discursivamente por esses fatores. Uma única palavra resume toda a discussão que se apresenta nesta Seção – exclusividade da legislação a um grupo; expurgo e fragmentação do outro (THOMPSON, 1995). Nesse caso, na função representativa, a forma material (léxico) da linguagem tem sempre um efeito mediador que leva a distorções propositais, segundo Pedro (1999). Sobre essa questão, retomando as palavras de Fairclough (2001a), observa-se que o discurso funciona como prática ideológica que constitui, naturaliza, mantém e transforma os significados do mundo de posições diversas nas relações de poder.

Ainda para Pedro, a ADC trata de explicar os significados das formas e das funções da linguagem, levando em consideração o co-texto (contexto imediato, no nosso caso, a legislação), o contexto de situação (meu ambiente de trabalho) e o contexto cultural (as condições sociais e ideológicas que produziram o discurso), pois opera com uma abordagem de discurso em que o contexto é fundamental.

Para ela, ao se falar em categorias de análise, é necessário considerar que, em sua função representativa, a forma linguística é sempre moldada pelos efeitos de poder. Na sua função de construção, a linguagem projeta relações e estruturas sociais, de acordo com os desejos dos participantes, em regra dos mais poderosos. Por isso, não se pode, teoricamente, ignorar a forma na ADC, como veremos a seguir no quadro 2.

Quadro 2 – Categorias analíticas da ADC (resumidas 1)

 

ANÁLISE TEXTUAL

ELEMENTO DE ANÁLISE TÓPICOS OBJETIVOS
Vocabulário Significado das palavras Enfatizar as palavras-chave que apresentam significado cultural, as palavras com significado variável e mutável, o significado potencial de uma palavra, enfim, como elas funcionam como um modo de hegemonia e um foco de luta.

    Fonte: Fairclough (2001a).

Conforme Fairclough (2001a), o significado das palavras e a lexicalização de significados são questões que são variáveis socialmente contestadas, e facetas de processos sociais e culturais mais amplos (…) e o sucesso em obter aceitação para significados particulares de palavras, e para uma estruturação particular do seu significado potencial é, sem dúvida, interpretável como uma forma de adquirir hegemonia.

Compreendendo que o sujeito, ator ideológico, é constituído por processos discursivos e ao mesmo tempo constitui os processos discursivos (FAIRCLOUGH, 1989, 2001a; KRESS, 1996), pode-se dizer que este advérbio enfático perde força quando a própria lei entra em contradição. O artigo em tela elenca, nos incisos de I a XI, as funções privativas de jornalismo. Mas no artigo 12 afirma que serão privativas de jornalistas as funções pertinentes às atividades previstas no artigo 2º, tais como Editor, Secretário, Subsecretário, Chefe de Reportagem e Chefe de Revisão. Disso infere-se que a atividade de Revisão não é privativa de jornalista, como já havia discutido antes.

Estranhamente, sem haver uma legislação específica de revisor para a área de Letras, a CBO, estabelecida pelo MTE, propõe como um dos requisitos, para a atividade de Revisão de Texto diploma de graduação de nível superior em Comunicação Social ou Letras. Na CBO, a Revisão situa-se na classificação E,            Código 2611-40, como veremos abaixo no quadro 3.

Quadro 3 – Classificação da atividade de Revisão

 

Revisor Código
Amplitude anterior: 30/34 Amplitude atual: 33/37
Função anterior: Revisor
Requisitos:

a) Diploma de Graduação de Nível Superior em Comunicação Social ou Letras;

b) Registro de Radialista Profissional;

c) Experiência de 06 (seis) meses na função, com prática de serviço comprovada por meio da Carteira de Trabalho e Previdência Social

(CTPS), atestado, certidão ou declaração – OPCIONAL.

Norma Regulamentadora: Decreto Lei nº 972, de 17 de outubro de 1969, que dispõe sobre o exercício da profissão de Jornalista. Decreto nº 83.284, de 13 de março de 1979, que dá nova regulamentação ao Decreto Lei nº 972, de 17 de outubro de 1969, que dispõe sobre a profissão de Jornalista, em decorrência das alterações introduzidas pela Lei nº 6.612, de 7 de dezembro de 1978.

 

DESCRIÇÃO DA FUNÇÃO
Revisar textos a fim de assegurar-lhe clareza, concisão e harmonia. Prestar assessoria, orientação e supervisão a outros profissionais sobre assuntos de sua especialização. Planejar, desenvolver e acompanhar treinamentos, palestras e eventos.

Fonte: CBO/MTE.

Este documento do MTE deve ter considerado a área de Letras à atividade de Revisão não por uma questão legal, mas por uma questão de direito costumeiro, uma vez que sua função é retratar a realidade das profissões do mercado de trabalho brasileiro. Acompanhando o dinamismo das ocupações[9], a CBO tem por filosofia sua atualização constante de forma a expor, com a maior fidelidade possível, as diversas atividades profissionais existentes em todo o País, sem diferenciação entre as profissões regulamentadas e as de livre exercício profissional.

Segundo ainda o mesmo site, os trabalhadores sentem-se amparados e valorizados ao terem acesso a um documento, elaborado pelo Governo que identifica e reconhece seu ofício. As inclusões das ocupações na CBO têm gerado, tanto para categorias profissionais quanto para os trabalhadores, uma maior visibilidade, um sentimento de valorização e de inclusão social. Eis por que afirmei antes que a atividade de Revisão de Texto exercida por profissionais de Letras é uma atividade consuetudinária, mas não legal, isto é, não determinada por lei.

Por último, o Parecer do Supremo Tribunal Federal (STF), do Ministro Gilmar Mendes, provocado pelo Recurso RE 511961/SP – impetrado pelo Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo (SERTESP), julgado em 17 de junho de 2009 e publicado em 13 de novembro de 2009, deu, em princípio, o “tiro de misericórdia” em toda a legislação vigente sobre a necessidade diploma de Jornalismo para exercer a atividade. Isso fortaleceu legalmente, em tese, o profissional de Letras para atuar na Revisão.

O Ministro assim resumiu seu parecer:

(…) por isso, não obstante o acerto de todas essas considerações, que explicitam uma análise de proporcionalidade, o certo é que, mais do que isso, a questão aqui verificada é de patente inconstitucionalidade, por violação direta ao art. 5º, inciso XIII, da Constituição. Não se trata apenas de verificar a adequação de uma condição restritiva para o exercício da profissão, mas de constatar que, num âmbito de livre expressão, o estabelecimento de qualificações profissionais é terminantemente proibido pela ordem constitucional, e a lei que assim proceder afronta diretamente o art. 5º, inciso XIII, da Constituição. Portanto, em se tratando de jornalismo, atividade umbilicalmente ligada às liberdades de expressão e de informação, o Estado não está legitimado a estabelecer condicionamentos e restrições quanto ao acesso à profissão e respectivo exercício profissional (…). Qualquer controle desse tipo, que interfira na liberdade profissional no momento do próprio acesso à atividade jornalística, configura, ao fim e ao cabo, controle prévio que, em verdade, caracteriza censura prévia das liberdades de expressão e de informação, expressamente vedada pelo art. 5º, inciso IX, da Constituição. Dentro dessa lógica, nada impede que as empresas de comunicação adotem como critério de contratação a exigência do diploma de curso superior em jornalismo8. (Grifos meus).

O parecer do STF acima, afirmando a desnecessidade de curso de nível superior para exercer as atividades vinculadas, por lei, ao curso de Jornalismo, é mera formalidade, uma vez que o mesmo documento, no final, sugere que “nada impede que as empresas de comunicação adotem como critério de contratação a exigência do diploma de curso superior em jornalismo”. E aí voltamos, mais uma vez, à “estaca zero”.

[1] ROCHA, Harrison da. Um novo paradigma de revisão de texto: discurso, gênero e multimodalidade. Tese de doutoramento. UnB, 2012.

[2] Possui graduação em Letras pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB); é mestre e doutor em Linguística pela Universidade de Brasília (UnB). Especialista em Língua Portuguesa pela mesma universidade; Especialista em Literatura Brasileira Moderna pelo UniCEUB. Coordenador e professor dos cursos de especialização em Língua Portuguesa pelo UniCEUB. Na graduação, é professor de Língua Portuguesa, Revisão de Texto, Linguística e disciplinas com base nesta última área, como Linguística Textual, Letramento, Análise de Discurso Crítica (ADC). Membro da Associacción Latinoamericana de Estudios del Discurso (ALED) e da Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN). Atualmente, desenvolve pesquisa nas áreas de ADC, Multimodalidade, Letramento, Revisão de Texto e Língua Portuguesa. Autor de artigos científicos nestas mesmas áreas. Orienta Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) nas disciplinas em que atua na graduação. Como profissional na área de Revisão de Texto, foi Servidor Público no Ministério da Fazenda realizando a atividade de copidesque/revisão de texto em gêneros discursivos jurídicos (acórdãos); possui experiência em revisar livros, monografias de conclusão de curso, dissertações, teses, artigos, ensaios. Foi revisor do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em publicações oficiais e de âmbito geral como folders, cartazes, cartilhas, manuais, revistas, livros, legislação.

[3]  “Art. 302. Os dispositivos da presente Seção se aplicam aos que nas empresas jornalísticas prestem serviços como jornalistas, revisores, fotógrafos, ou na ilustração, com as exceções nela previstas. § 1º Entende-se como jornalista o trabalhador intelectual cuja função se estende desde a busca de informações até a redação de notícias e artigos e a organização, orientação e direção desse trabalho. § 2º Consideram-se empresas jornalísticas, para os fins desta Seção, aquelas que têm a seu cargo a edição de jornais, revistas, boletins e periódicos, ou a distribuição de noticiário, e, ainda, a radiodifusão em suas seções destinadas à transmissão de notícias e comentários” (CLT, 1943, p. 52).

[4] Disponível em: <http://camargodemoraes.com.br>. Acessado em 9 de agosto de 2012, às 23h06.

[5]  Disponível em: <http://jusbrasil.com.br>. Acessado em 9 de agosto de 2012, às 22h05.

[6] Disponível em: <http://aplicacao5.tst.jus.br>. Acessado em 9 de agosto de 2012, às 23h12.

[7] Disponível em: <http://www.bemparana.com.br>. Acessado em 14 de outubro de 2011, às 12h27.

[8] Este Decreto revoga as disposições em contrário, especialmente o Decreto n° 65.912/69, que regulamenta dispositivos do Decreto-Lei nº 972, de 17 de outubro de 1969, nos termos de seu artigo 15, e Decreto n° 68.629/71, que altera o Decreto nº 65.912, de 19 de dezembro de 1969, que regulamentou o Decreto-Lei nº 972, de 17 de outubro de 1969, sobre a profissão de jornalista.

[9] Disponível em: <http://www.mte.gov.br>. Acessado em 17 de outubro de 2011, às 14h47.

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