Discurso direto e indireto

“Discurso direto e indireto

Outro expediente linguístico para mostrar diferentes vozes bem demarcadas no texto são o discurso direto e o indireto. Num texto, as personagens falam, conversam entre si, expõem suas ideias. Quando o narrador conta o que elas disseram, insere na narrativa uma fala que não é de sua autoria, cita o discurso alheio. O discurso direto e o indireto são procedimentos de reprodução do discurso das personagens.

Observe o texto que segue, extraído do romance Ana em Veneza, de João Silvério Trevisan:

Estavam agora diante de uma bandeja de queijos variados.

— Ah, o Brasil, essa imensa ilha… — dizia o conde Basuccello, entretido em cortar um pedaço de sbrinz dos Alpes.
— De fato — aparteou Nepomuceno — estamos muito isolados na América. A língua mas também…
— Oh, não. Não me refiro a isso, que não deixa de ser verdadeiro — retrucou o conde,
acabando de mastigar. — Falo de uma dessas ilhas utópicas cuja lenda se perde na noite dos tempos. Os senhores talvez não saibam, mas o nome Brasil em geografia já existe desde o período medieval.
— Mas o Brasil só foi descoberto bem depois… Não é mesmo, Herr Nepo? — admirou-se Júlia, entretida com um delicioso queijo stracchino lombardo.
— Sim, mas antes do atual Brasil já existia na Idade Média uma ilha chamada Brasil —
asseverou Basuccello. — Bem existiam muitas ilhas míticas imaginadas pelos povos de então.

Todas representavam o paraíso terrestre, onde não haveria discórdia nem velhice nem doenças ou morte. Eram tão perfeitas que seus habitantes não precisavam sequer trabalhar para comer.

Numa dessas ilhas, imaginem, as frutas caíam do pé pontualmente às nove horas, para poupar os homens do trabalho de colhê-las.

João Silvério Trevisan. Ana em Veneza. 2. ed. São Paulo, Best Seller, (1994). p. 465-6.
Nesse texto, o narrador indica a fala das personagens, dizendo dizia o conde Basuccello, entretido em cortar um pedaço de sbrinz dos Alpes; aparteou Nepomuceno; retrucou o conde, acabando de mastigar; admirou-se Júlia, entretida com um delicioso queijo stracchino lombardo; asseverou Basuccello, e como que passa a palavra a elas, o conde Basuccello, Nepomuceno e Júlia, e deixa-as falar. O discurso direto é o modo de citação do discurso alheio em que o narrador indica o discurso do outro e, depois, reproduz literalmente a fala dele.

As marcas do discurso direto são:

a) a fala das personagens é anunciada por um verbo (no nosso exemplo, dizia, aparteou, retrucou, admirou-se, asseverou) denominado verbo de dizer (outros exemplos são responder, retorquir, replicar, acrescentar, obtemperar etc.), que pode vir antes, no meio ou depois da fala da personagem (no nosso caso, veio depois ou no meio) ou ainda estar subentendido (depois da fala de uma personagem, o simples fato de aparecer outro travessão indica que outra personagem tomou a palavra); portanto
b) a fala das personagens aparece nitidamente separada da fala do narrador por aspas ou por dois-pontos e travessão;
c) os pronomes pessoais e possessivos, os tempos verbais e as palavras que indicam tempo e espaço, como, por exemplo, pronomes demonstrativos e advérbios de lugar e de tempo, são usados tendo como referência tanto o narrador como as personagens: assim tanto o narrador como as personagens dizem eu, denominam a pessoa com quem falam tu, chamam o espaço em que cada um está aqui e em função dele organizam os demais espaços (aí, lá), marcam o tempo em que cada um fala como agora e a partir dele ordenam os outros tempos. Portanto, 

Observe agora o fragmento do conto “O inimigo”, de Rubem Fonseca, que aparece abaixo:

É segunda-feira; estou triste pois no domingo cheguei para Aspásia e recitei para ela em espanhol, “La casada infiel”; depois de ouvir sorridente o que deveria (achava eu) comovê-la até as lágrimas, ela encerrou o assunto dizendo que o meu espanhol era nojento. 

Rubem Fonseca. Contos reunidos. São Paulo, Companhia das Letras, 1994. p. 58.

Nesse caso, o narrador, para citar o que Aspásia lhe disse, usa outro procedimento: não dá a palavra à personagem, mas comunica, com suas palavras, o que ela disse. A fala de Aspásia não chega diretamente ao leitor, mas por via indireta, isto é, por meio das palavras do narrador. Por essa razão, esse expediente chama-se discurso indireto.

As principais marcas do discurso indireto são:

a) o que a personagem disse vem também introduzido por um verbo de dizer;
b) o que a personagem disse constitui uma oração subordinada substantiva objetiva direta do verbo de dizer e, portanto, é separada da fala do narrador por uma partícula introdutória, que pode ser uma conjunção como o que ou o se (Ele disse que não sabe), um advérbio (Não disse onde estará) ou um pronome interrogativo (Pergunto por que ele não veio);
c) como apenas o narrador toma a palavra, apenas ele diz eu; somente a pessoa com quem ele fala é designada por tu; só o lugar onde ele está é chamado aqui e, a partir dele, os demais espaços são organizados; apenas o tempo em que ele fala é marcado como agora e em função dele são ordenados os outros tempos.

Façamos um confronto entre a citação da mesma fala alheia em discurso direto e em discurso indireto:

Pedro disse:
— Eu estarei aqui amanhã.

No discurso direto, a personagem Pedro toma a palavra, depois da introdução feita pelo narrador, dizendo eu; aqui é o lugar em que ela está; amanhã é o dia seguinte ao dia em que ela fala.

Se passarmos essa frase para o discurso indireto ficará assim:
Pedro disse que estaria lá no dia seguinte.

No discurso indireto, eu passa a ele, porque indica não mais quem fala, mas alguém a respeito de quem o narrador diz alguma coisa; estaria é futuro do pretérito, que é um tempo que indica posterioridade em relação a um momento pretérito, indicado por disse, e não posterioridade ao momento presente em que a personagem está falando, como o faz estarei; lá é o espaço em que está a personagem — distinto do aqui em que se acha o narrador; no dia seguinte é o dia posterior ao momento pretérito em que se deu a fala da personagem.

Na passagem do discurso direto para o indireto, deve-se observar o seguinte:

a) as frases que, no discurso direto, têm a forma interrogativa, exclamativa ou imperativa convertem-se, no discurso indireto, em orações declarativas: Portanto
Ela me perguntou:
— Quem está aí?
Ela me perguntou quem estava lá.

b) as interjeições e os vocativos do discurso direto desaparecem no discurso indireto ou seu valor semântico é explicitado, isto é, traduz-se o significado que eles expressam:

O papagaio disse:

— Oh! Lá vem a raposa.

O papagaio disse admirado [explicitação do valor semântico da interjeição oh] que ao longe vinha a raposa.

c) se o discurso citado (fala da personagem) comporta um eu ou um tu que não se encontram entre as pessoas do discurso citante (fala do narrador), eles são convertidos num ele; se os pronomes demonstrativos (este, esse, aquele) e os advérbios de espaço (aqui, aí, lá) do discurso citado não corresponderem aos do discurso citante devem ajustar-se a estes: Portanto 

Pedro me disse lá em Paris:

— Aqui eu estou sentindo-me bem, pois nesta cidade tudo é bonito.
Pedro me disse em Paris que lá ele estava se sentindo bem, pois naquela cidade tudo era bonito.

Eu converte-se em ele, porque Pedro, a personagem que disse eu em discurso direto, não é a pessoa que fala no discurso citante, mas é a pessoa de quem se fala. Aqui e nesta transformamse, respectivamente, em lá e naquela, porque no discurso citado indicam o lugar em que estava Pedro, quando falou, mas, como agora o narrador está falando de outro lugar, Paris é indicado por lá, e o advérbio de espaço e o pronome demonstrativo têm de se ajustar a esse lugar.

d) se as pessoas do discurso citado, isto é, da fala da personagem, têm um correspondente no discurso citante, seu estatuto é o mesmo neste último:

Maria declarou-me:
— Eu te amo.

Maria declarou-me que me amava”.

SAVIOLI, Francisco Platão & Fiorin, José Luiz. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo: Ática, 2006

DIFERENTES REVISORES DE TEXTOS

DIFERENTES REVISORES DE TEXTOS

É incontestável o fato de que há vários tipos de revisores de textos, bem como de serviços de revisão. O problema começa com a própria definição desses termos: o que um Revisor de Texto faz e o que é revisão de texto? Na verdade, as concepções (algumas infundadas) que norteiam o universo de Revisão surgem/surgiram com base, muitas vezes, no universo de ensino (relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa) e de jornalismo (especialmente em relação à editoração).

As reflexões do universo acadêmico para a profissão são de grande valia e se assentam em áreas da linguística textual, análise de discurso crítica, análise de discurso, sociolinguística internacional…) que podem resolver muitos mal entendidos para a área.

No entanto, apesar das contribuições da ciência (linguística) para a profissão, e de haver certo consenso em relação às intervenções de um Revisor para o texto de um autor (por exemplo, em relação à gramática, ortografia), é natural que revisores atuem de maneira diferenciada e tenham perfis diversos. Há, inclusive, revisores especializados em áreas específicas. Eu mesmo sou um deles, sou especialista em revisão de textos acadêmicos.

Neste artigo, reúno algumas reflexões e críticas sobre a atuação do Revisor de Texto, sua multiplicidade e os limites da profissão. Trabalho há muitos anos na área, e desenvolvi pesquisa acadêmica nesse ramo, no período em que cursei uma especialização em Revisão de Textos em Brasília-DF.

1. O MESSIAS, DETENTOR ABSOLUTO DA VERDADE SUPREMA

Infelizmente, ainda existe essa imagem de Revisor como alguém que salvará o texto de todos os erros, bem como o próprio cliente, inclusive, de seus problemas (até os psicológicos rsrs). E, infelizmente, vários profissionais sem formação se lançam nessa área dessa maneira, o que é um grande equívoco.

Grande parte dos mal entendidos entre Revisor e cliente ocorre porque essa imagem é manutencionada (por ambas as partes). Desconfiem daqueles que propagam noções absolutas sobre língua. É possível mensurar e quantificar alguns padrões na escrita, especialmente em relação à ortografia e regras gramaticais, mas, muitas vezes, o problema de textos está além dessas questões.

2. ALMA CARIDOSA QUE TRABALHA GRATUITAMENTE

Não conheci, ainda, esse tipo de Revisor, mas ele existe, ao menos no inconsciente de alguns clientes, que desprestigiam o Revisor e a profissão: “é só uma olhadinha”, “vou mandar o texto novamente para você”.

Além disso, há, também, aqueles que acreditam que o preço deve ser negociado a todo o custo ou que o custo do primeiro serviço acordado contemplará várias revisões, até que o cliente acredite que o texto está “perfeito”. Outro dia, recebi um pedido de orçamento de alguém que disse que o texto estava bem escrito ou que já tinha sido revisado e, por essa razão, eu não teria muito trabalho.

3. AUTOR DO TEXTO

Revisor não é autor do texto. Há um limite de intervenção de revisores em textos. Ás vezes, há períodos no texto que precisam ser completados ou que estão esvaziados de sentido e precisam ser repensados para, posteriormente, serem reformulados e reescrito. Esse processo não necessariamente é responsabilidade do Revisor. O trabalho deste se encerra após a entrega do texto revisado.

Alguns autores confundem a atuação do Revisor com a de um escritor fantasma, especialmente para o caso de trabalhos acadêmicos. E isso é um problema sério. Há tantos mal entendidos. Revisores não são autores. Alguns clientes, na verdade, não gostam que haja intervenção além de questões ortográficas ou gramaticais.

Mesmo que o Revisor possa trazer alguma crítica ao texto ou tentar reescrevê-lo, sem modificar o conteúdo, para deixá-lo mais fluído, é preciso verificar o que foi acordado com o cliente e o que o Revisor oferece, que tipo de revisão para que não haja mal entendidos.

Se, por um lado, há quem acredite nesse tipo de Revisor, por outro, há os revisores que, também, assumem esse papel. Alguns, às vezes, de maneira extrema, outros, pela própria necessidade da profissão ou exigência de clientes. O problema dessa atuação surge quando há questões ilegais envolvidas nesse processo, como o caso de pessoas que desenvolvem trabalhos acadêmicos ou de clientes que associam, automaticamente, revisão de texto com essa atividade ilegal.

O Revisor pode até intervir um pouco mais no texto do cliente, por exemplo, reformulando períodos mal elaborados ou no próprio estilo do autor, para deixar o texto mais elegante ou adequá-lo a determinado gênero, mas, JAMAIS, deve alterar o sentido. Ele pode, no entanto, trazer reflexões, comentários, fazer uma crítica ao texto do autor.

4. REVISOR TRADUTOR

Constantemente, recebo convites para traduzir textos. Não vejo problema nesses convites, mas eu não sou tradutor. Ás vezes, recebo alguns pedidos aleatórios para desenvolver atividades que não se referem ao que eu faço ou que eu sequer mencionei em meu site. E isso revela os mal entendidos que existem sobre revisão de texto hoje. Alguns revisores chegam a se aventurar pelos caminhos da tradução.

Mas que fique claro: revisores não são tradutores e o serviço de revisão não contempla tradução. Não envie um texto a um Revisor, um trabalhos acadêmico, por exemplo, acreditando que a revisão inclui a elaboração do abstract de seu trabalho, ou seja, tradução.

5. REVISOR DESIGNER GRÁFICO

Revisão de Texto é diferente de formatação e do serviço de um designer. Alguns revisores trabalham com formatação e até trabalham em parceria com designer gráfico. Mas é preciso diferenciar revisão de formatação.

A revisão em si não inclui automaticamente formatação conforme ABNT, por exemplo. Se você enviar um trabalho para um revisor de textos, em que haja muitas imagens, não espere que ele edite as suas imagens e melhore, por exemplo, a qualidade destas ou faça um trabalho de diagramação em seu texto.

6. PSICÓLOGO

Brincadeiras à parte, é comum, durante a prestação dessa oferta de serviço, que revisores interajam com os seus clientes. E esse processo não constitui, necessariamente, uma relação harmônica, pois, de certa maneira, a atuação do Revisor envolve um “mergulhar no outro” e atuação no espaço deste.

Essa relação é muito delicada. Eu prefiro ser bastante claro com todos os meus clientes, desde o início da prestação de meus serviços (e prefiro perder um potencial cliente do que omitir alguma informação a respeito do meu serviço para iludi-lo a respeito de algo que ele espera ou que não seja verdade).

Além disso, quando reviso obras, especialmente biografias, não é incomum o fato de os autores escreverem longos e-mails ou deixarem longas mensagem em meu Whatsapp contanto a história deles, bastante preocupados com o serviço de revisão em si. Somos confessores de histórias, o cliente entrega mais do que o texto a cada um de nós.